Imagem ilustrativa.| Foto: StartupStockPhotos/Pixabay
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Há pouco mais de um mês foi promulgada a Lei Complementar 182/2021, que estabeleceu o chamado “Marco Legal das Startups” e do empreendedorismo inovador. Saudada como um relevante aceno ao futuro, este instrumento apresentou importantes princípios e metas, especialmente por meio de diretrizes ao poder público.

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Esta legislação, contudo, também destaca o papel central que o Estado brasileiro acredita exercer na iniciativa econômica nacional. Isso porque, após o legislador tentar delimitar conceitos operacionais básicos (o que é startup e quais seriam os instrumentos de investimento), passou a abordar a regulamentação setorial e a contratação pelo Estado.

O que chama a atenção é que dentre os princípios e diretrizes da legislação (artigo 3.º) se destacam: o reconhecimento do empreendedorismo, o papel das empresas, o contexto de livre mercado e a necessidade de internacionalização e atração de investimentos estrangeiros. Ou seja, o espaço é eminentemente privado, onde, como se sabe, é dispensável a permissão do Estado-legislador (vide Lei 13.874/2019).

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Ainda que se possa louvar a preocupação do Congresso brasileiro com o tema, alguns pontos merecem atenção mais detida. Em primeiro lugar, deve-se abordar a própria definição da startup (artigo 4.º) limitada à organização empresária ou societária. Com isto se afasta sua incidência, por exemplo, do prestador de serviço que não possa exercer atividade empresarial (por proibição legal, por exemplo) e que prefira não se organizar sob o fundamento societário (como os profissionais liberais, por exemplo).

Bastaria, diriam alguns, que este profissional constituísse uma sociedade limitada unipessoal (artigo 1.052, §1.º do Código Civil) para desenvolver sua atividade inovadora. No entanto, a inovação costuma não ser afeita a exigências burocráticas que busquem adestrá-la. Este é, justamente, o ponto que se pretende destacar: é necessária esta exclusão? Ou ela reflete uma falta de compreensão de como diferentes formas de atividade econômica (nem sempre classificadas como empresárias) são previstas pela legislação brasileira. O debate parece ser ainda mais oportuno diante da proposta de extinção das sociedades simples (MP 1.040/21) e das esperadas consequências fiscais que advirão.

Em segundo lugar, note-se a tentativa de o legislador enumerar as formas de investimento em inovação. Em termos negociais, a enumeração de instrumentos tende, sempre, a ser fadada à obsolescência. Isso porque a criatividade econômica e a inventividade do investidor podem fazer surgir hipóteses não concebidas pelo legislador. Tanto isso é verdade que, há alguns anos, a doutrina apontava a sociedade em conta de participação como verdadeiro dinossauro ainda mencionado pela lei brasileira. Eis que ela dá, novamente, as caras com a menção expressa no Marco Legal (artigo 5.º, §1.º, V).

Também poderá trazer alguma dúvida interpretativa a atual redação do artigo 8.º, que menciona que aquele que aportar capital não será considerado sócio, nem responderá por dívida mesmo em caso de desconsideração da personalidade jurídica. Aparentemente, contudo, esta interpretação não é assim tão simples. Isso porque, em primeiro lugar, o eventual ajuste entre investidor e startup só obrigaria terceiros se fosse contratado por instrumento público. Se esta cláusula, contudo, constasse de sociedade em que o aporte se aperfeiçoa como integralização de capital, ela pode vir a ser considerada nula (já que afastaria direitos típicos de sócio). Além disso, tal condição seria ineficaz se constasse em instrumento separado e contrariasse o disposto no contrato (artigo 997, parágrafo único do Código Civil). Seria, então, o caso de outra interpretação? Talvez não seja considerado sócio aquele que, fazendo o aporte de capital, o fizer sem integrar o capital social (hipóteses do parágrafo 1.º). Nesta hipótese, contudo, o dispositivo seria desnecessário, pois redundante.

Situação ainda mais difícil é interpretar o inciso II do mesmo artigo 8.º. Seria ele uma exceção à desconsideração da personalidade jurídica, que não poderia atingir determinados sócios (investidores)? Ou seria uma redundância para aqueles que não são sócios? Como se sabe, a lei não traz palavras vãs... Daí porque parece existir um novo tipo de sócio no Direito societário brasileiro: o investidor quotista. Suas características, requisitos e tratamento, contudo, não estão dispostos de forma geral, o que dificultará seu reconhecimento e tratamento.

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Como se sabe, o ideal é que a eventual reforma legislativa considere a legislação em vigor, alterando, incluindo ou revogando dispositivos, mas, acima de tudo, organizando o já complexo quadro normativo brasileiro. Eis, então, uma oportunidade perdida pelo legislador: organizar o Direito societário nacional para receber o investimento em ambiente mais estável e seguro.

Este, aliás, é o último ponto que gostaríamos de destacar: apesar de mencioná-las expressamente como diretrizes, o Marco Legal não se ocupou, nem previu incentivo ou mecanismo para fomentar a internacionalização da atividade inventiva brasileira e para a atração de investimento estrangeiro. Neste aspecto não basta enunciar a intenção, é indispensável que lhes seja assegurado ambiente – inclusive normativo – atrativo e seguro. O legislador, por exemplo, poderia ter proposto a condição de sandbox (ambiente regulatório experimental) normativo para este tipo de investimento.

A sensação que resta é de que, sem um trabalho de (re)compilação e (re)organização legislativa, especialmente em matéria tributária e empresarial, será muito difícil encontrar o ambiente verdadeiramente amigável ao investimento inovador.

Frederico Glitz, mestre e doutor em Direito, é advogado especializado e professor de Direito Internacional e Contratual.