| Foto: Paul Rogers/NYT

Ignorar os avisos dos cientistas por conta e risco próprios: essa é uma lição extremamente valiosa que os Estados Unidos podem aprender com uma tragédia horrível relacionada ao clima que se abateu sobre Londres, em 1952, quando foi tomada por uma fumaça tóxica que ceifou a vida de milhares de pessoas. Se a cidade tivesse agido como fora sugerido após um desastre quase idêntico ocorrido em Donora, Pensilvânia, quatro anos antes, muitas mortes poderiam ter sido evitadas.

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A “neblina assassina”, como passou a ser chamada, de cor marrom-amarelada, reduziu a visibilidade a 50 centímetros. Milhares de toneladas de fumaça de carvão sulforoso e diesel ficaram presas em uma área de 50 quilômetros por uma inversão térmica úmida e fria, cobrindo Londres com um manto de ar venenoso. Em menos de uma semana, a névoa matou quase 4 mil pessoas e outras 8 mil morreram prematuramente nos meses seguintes.

Os cientistas britânicos alertaram para esse desastre, mas, infelizmente, as medidas preventivas sugeridas por eles e aprovadas pelos legisladores nunca foram postas em prática. Para piorar ainda mais, o governo ignorou o alerta dos meteorologistas, que previram que uma neblina extraordinariamente densa ia descer sobre Londres.

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48 milhões de pessoas nos EUA adoecem todo ano em decorrência de enfermidades preveníveis transmitidas pela comida

Levou quase quatro anos para o que o Parlamento aprovasse a Lei do Ar Limpo, em 1956, que restringiu a queima de carvão em áreas urbanas e ajudou as famílias a substituir o combustível por formas menos prejudiciais de aquecer o lar.

A história está cheia de exemplos de orientações cientificamente sólidas que foram ignoradas ou ridicularizadas por autoridades. No fim da década de 1990, por exemplo, meia dúzia de grandes organizações, como o Departamento de Serviços Humanos e de Saúde, apoiaram um programa nacional de troca de seringas para controlar a disseminação do HIV/Aids; o presidente Bill Clinton, porém, desconsiderou o conselho e as infecções resultantes custaram à saúde pública US$ 500 milhões.

Em março do ano passado, Scott Pruitt, recém-nomeado diretor da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, rejeitou a proposta do governo anterior de proibir o uso de um pesticida agrícola, o clorpirifós, fabricado pela Dow Chemical. O painel consultor científico da agência concluíra, em 2016, que crianças corriam o risco de sofrer lesões cerebrais irreversíveis e problemas de desenvolvimento neurológico com níveis extremamente baixos de exposição a resíduos dessa substância, que continua a ser amplamente utilizada em frutas e verduras.

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Com a intenção de estimular a indústria do carvão, Pruitt, que também rejeitou a ciência climática consagrada, abandonou as regras do Plano de Energia Limpa, adotado pelo governo Obama para minimizar a poluição que aprisiona o calor. Uma tendência de aquecimento na temperatura da superfície marinha no Atlântico Norte nas últimas décadas está veementemente associada à disseminação de patógenos marinhos com potencial mortal – como o vibrião do cólera, o Vibrio cholerae, e o V. parahaemolyticus, causador de intoxicação alimentar –, e poderia levar a surtos amplos.

As medidas de segurança alimentar também estão em risco, com o adiamento indefinido da aplicação de regras de sua modernização, estabelecidas pela FDA (a agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos), e sancionada há sete anos com apoio bipartidário para proteger os consumidores da exposição a patógenos perigosos como salmonela e E. coli. Parte da cadeia de produção – quem colhe, embala e armazena alimentos produzidos em fazendas – agora está isenta de seguir a lei para impedir a contaminação dos produtos alimentícios. Com isso, todos os anos, 48 milhões de pessoas nos EUA adoecem, 128 mil são internadas e 3 mil morrem em decorrência de enfermidades preveníveis transmitidas pela comida.

As regras de segurança alimentar frouxas da União Europeia deveriam servir de lição. A França e seus aliados estão atordoados com grandes recalls de leite em pó e outros produtos contaminados com salmonela, crise possivelmente acarretada por normas fracas que permitiram que produtos estragados chegassem a supermercados e farmácias semanas após o problema ter sido descoberto.

As regras de segurança alimentar frouxas da União Europeia deveriam servir de lição

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A redução nutricional causada pela concentração crescente de dióxido de carbono, o principal gás do efeito estufa na atmosfera, é outro risco para a salubridade da produção alimentar nos EUA, segundo especialistas. Samuel S. Myers, principal pesquisador da Faculdade T.H. Chan de Saúde Pública de Harvard, e seus colegas associaram reduções importantes em zinco, ferro e proteína em grãos fundamentais, como arroz e trigo e outras, menores, de proteínas nos legumes, devido ao nível crescente de dióxido de carbono no ar. Os pesquisadores demonstraram tais efeitos cultivando 41 variedades agrícolas sob as condições que poderão existir em 2050, a menos que haja um grande declínio na poluição por dióxido de carbono.

Em entrevista, Myers explicou que uma redução pequena no conteúdo proteico dos grãos poderia levar ao aumento do consumo de carboidrato e à elevação de doenças metabólicas, como diabetes e problemas cardíacos, que já ameaçam a população com sobrepeso. Reduzir a emissão dos gases do efeito estufa para combater o aquecimento global pode gerar não somente benefícios em longo prazo à saúde pública como também outros imediatos, segundo Andy Haines, da Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Por exemplo, um aumento nas caminhadas e pedaladas em vez de se valer de veículos movidos a combustível ajudaria a deter diabetes, doenças cardíacas, acidentes vasculares e outras enfermidades crônicas associadas a um estilo de vida sedentário. Segundo ele, uma mudança para “dietas saudáveis ambientalmente mais sustentáveis” serviria para ajudar a conter os gases do efeito estufa, também auxiliando a diminuir a mortalidade como um todo.

Jane E. Brody é colunista de saúde pessoal do The New York Times desde 1976.
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