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A ruptura do paradigma centenário da atividade forense morosa, artesanal e ineficiente está acontecendo a olhos vistos

Faz quase 20 anos que se fala na instalação de Tribunal Federal no Paraná, alcançando também Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Volta e meia o tema ganha intensidade e depois se aquieta. Quando está na ribalta a possibilidade de decisão positiva do Congresso Nacional, a simples menção à dúvida sobre a efetiva necessidade do tribunal é tomada como traição lesa-Paraná. Paranaense da gema, penso que dar ensejo a indagações é parte do dever ético que temos com o povo que paga tributo. A intentio operis é encontrar equilíbrio entre custo e benefício que respeite o princípio republicano do bom uso dos recursos públicos. A autofagia invejosa que mantém o peso político do Paraná muito aquém da sua potencialidade deve ser enfrentada, mas não ao preço do pensamento único. Por isso, ouso perguntar: precisamos sediar um Tribunal Federal?

De regra, a organização judicial é matéria de iniciativa exclusiva do Poder Judiciário. Ocorre, o Superior Tribunal de Justiça, órgão superior da justiça comum, não tomou a iniciativa legislativa de propor ao Congresso Nacional a criação de mais tribunais regionais federais. Para superar esse óbice, tomou-se a via da emenda à constituição, que formalmente passa por cima da competência do STJ. A casa iniciadora do projeto de emenda constitucional, que preceituava a criação de mais três tribunais federais, foi o Senado. Aprovada em 2002, seguiu para a Câmara dos Deputados, onde parou.

Na década de 90 houve avalanche de processos sobre a Justiça Federal. FGTS, compulsório sobre combustíveis, desbloqueio do Plano Collor, Sistema Financeiro da Habitação, geraram milhões de processos operados de modo arcaico, com papel, carimbos, máquinas de escrever. Foi necessário ampliar o tamanho da estrutura, com mais juízes, funcionários, desembargadores. À época fazia sentido aumentar a quantidade de tribunais federais regionais. Era preciso gente para trabalhar e assegurar o direito de pessoas que haviam sido lesadas por sua majestade, o governo federal.

Porém o tempo passa voando e traz mudanças. As causas diminuíram em quantidade, havendo apenas volume na matéria previdenciária. Essa circunstância está diretamente relacionada ao Plano Real que estabilizou a economia e reduziu as atrocidades jurídicas cometidas por aprendizes de feiticeiro. Por outro lado, o envelhecimento da população conjugado com a ineficiência do INSS fez explodir a quantidade de ações judiciais que tratam de aposentadoria. Contudo, a principal novidade foi o avanço da tecnologia da informação, com a implantação do processo eletrônico, reduzindo custos, tempo, espaço, quantidade de pessoas necessárias para a operação física do processo judicial. A ruptura do paradigma centenário da atividade forense morosa, artesanal e ineficiente está acontecendo a olhos vistos.

A argumentação que pretendia demonstrar justa a relação entre o incremento do custo para o erário e o benefício para o povo estava assentada na distância das barras do tribunal, longe do Paraná, na quantidade de processos a exigir mais gente para operá-los. Alegações que enfraqueceram em face da realidade eletrônica. É hora de modernizar o discurso, assumindo a face mais política da questão: o Paraná é grande, e suas elites se sentem colonizadas como ao tempo da 5.ª Comarca da Província de São Paulo. Minas e Bahia têm situação idêntica visto que a sede do tribunal federal que as jurisdiciona está em Brasília. Os três estados não exatamente precisam do tribunal, mas se sentem desconfortáveis por orbitarem em torno de outros locais.

A resposta à indagação condutora desse texto é: o Paraná quer um tribunal federal para chamar de seu.

Rosane Kolotelo Wendpap, professora da UTP, é coordenadora da Escola Superior de Advocacia no Paraná.

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