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É preciso uma mudança de valores nos agentes do Judiciário e do Ministério Público, valorizando-se mais os direitos fundamentais, notadamente os direitos de liberdade

O princípio da presunção da inocência previsto como cláusula pétrea na Constituição de 1988 diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória. Entenda-se trânsito em julgado o momento pelo qual mais nenhum recurso é possível ao condenado. Tal princípio próprio de toda nação que se pretende democrática alterou a relação entre a prisão e o processamento das ações penais no Brasil. Nos Estados autoritários a prisão é a regra, vez que essa prescinde da formação da culpa do acusado, bastando a confissão ou o flagrante, independentemente da forma como foram obtidos. Nos Estados democráticos, a prisão é a exceção, e só se legitima pela formação definitiva da culpa do acusado. Assim deve ser, pois, sendo o Judiciário e as instituições de apoio compostos por seres humanos, são eles falíveis, principalmente quando sujeitos as pressões públicas em face de algo tão passional como o acontecimento de um crime.

No entanto, o direito de liberdade, bem fundamental e irreparável, não pode ser violado sem uma motivação legítima. É por isso que existem pressupostos que possibilitam a prisão processual. Esses não podem servir como uma antecipação da pena ou como medida de segurança pública, como vem sendo tratados. Só é legítimo ao magistrado prender preventivamente quando há prova de que houve um crime grave, e indícios fortes de que o autor é o acusado. Além disso, também é necessário prova de que o acusado colocou em risco o processo ou o seu resultado, ou seja, que ameaçou testemunhas, ou juiz, promotor, peritos, ou destruiu provas, ou de que fugiu ou fugirá da responsabilidade penal.

Levando-se em consideração o sistema jurídico, chama atenção os dados anunciados pelo CNJ e pelo InfoPen do Ministério da Justiça quanto ao estado do Paraná. Segundo o CNJ, 42% dos detentos ainda não foram julgados. Segundo o InfoPen, o total do público carcerário é de 35.965, entre presos do Sistema Penitenciário, delegacias de polícia e cadeias públicas. Isso quer dizer que de todo o público carcerário pelo menos 15.105 pessoas estão presas sem uma condenação. Parece claro que o Poder Judiciário não vem tratando a prisão processual como uma exceção.

É necessário que se coloque o dedo na ferida para alterar esse triste quadro. É preciso uma mudança de valores nos agentes do Judiciário e do Ministério Público, valorizando-se mais os direitos fundamentais, notadamente os direitos de liberdade. As decisões que homologam flagrantes sem convertê-los em prisão preventiva, bem como as que decretam essa modalidade de constrição pessoal não vêm observando criteriosamente os requisitos de exceção dessa modalidade de prisão.

Além disso, deve ser observado um mínimo de proporcionalidade entre a prisão e a pena definitiva. Isso porque dados do Depen demonstram que, dos crimes, parte significativa são patrimoniais e praticados sem violência, que ao final do processo acarretam penas alternativas como Restritivas de Direitos ou Suspensão Condicional da Pena, não havendo qualquer sentido em manter presos os acusados por esses crimes.

Soma-se a isso o descaso com que o Paraná vem tratando há mais de 20 anos a questão da Defensoria Pública. A Lei n.º 11.449/07 determina que toda prisão em flagrante deve ser imediatamente comunicada à Defensoria Pública. Isso porque, segundo o DEPEN, mais de 80% dos encarcerados não possui o ensino fundamental completo, pertencendo às classes menos favorecidas. Dessa forma, sem condições de contratar advogados ficam atirados no cárcere a própria sorte.

Como se percebe, falta de vontade política e social em implementar os direitos fundamentais tão duramente conquistados na Constituição do país faz com que voltemos à barbárie medieval, porém longe dos nossos olhos privilegiados, só nos sendo desvelada a partir dos frios e impessoais números estatísticos. Ou colocamos o dedo na ferida e mudamos essa realidade desumana, ou viramos a página do jornal e esqueçamos esses dados inconvenientes.

Eduardo Sanz, professor de Direito Penal do Unicuritiba, é advogado criminal, mestre em Ciências Jurídico-Criminais na Universidade de Coimbra, Portugal.

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