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| Foto: Douglas Magno/AFP

Pouco após o início das eleições de 07 de outubro de 2018, relatos de fraudes, mau funcionamento de urnas eletrônicas e situações descabidas inundaram as redes sociais. Vindos dos mais diversos locais, estados, cidades, repletos de indignação, os denunciantes apresentavam queixas muito parecidas: 1. após o voto para governador encerrava-se a votação, mesmo faltando ainda o voto para presidente; 2. após o voto para presidente aparecia mensagem de erro; 3. ausência da foto do candidato do PSL, Jair Bolsonaro; 4. urnas que desligavam sozinhas; 5. registros em vídeo de cidadãos de várias localidades indignados por não terem conseguido votar em seu candidato à Presidência da República quando este candidato era Jair Bolsonaro. 

O maior argumento para utilização das urnas eletrônicas é o de “garantir a segurança do processo eleitoral”. Ora, como pode ser seguro um sistema de votação no qual a apuração é secreta, e a respeito do qual o eleitor, no exercício de seu mais sagrado direito constitucional – o voto –, não pode nem sequer noticiar que sentiu seu direito lesado? Consultado acerca do caso, o procurador federal Felipe Giménez reiterou não apenas a ilegalidade do uso de urnas eletrônicas com apuração secreta como também sua inconstitucionalidade. Em resumo, não há lei que obrigue o uso das urnas eletrônicas, e o segredo na configuração, atribuição, contagem e totalização de votos fere vários dispositivos constitucionais, como o princípio da publicidade – que deve nortear todos os atos da administração pública, por força da Lei Maior. 

Mais grave ainda é a concentração de poder no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável por executar as eleições e julgar eventuais irregularidades. Isso equivale, no contexto da Operação Lava Jato, a solicitar à presidência da Petrobras que investigue e puna os responsáveis pelos crimes cometidos na estatal. E sabemos bem que somente a Justiça Federal foi capaz de resolver o caso, em uma exemplar atuação republicana. Assim são as coisas, pois quem executa um serviço público não pode julgar seus próprios atos; além disso, um dos fundamentos do princípio republicano, a separação entre os três poderes, nesse caso fica prejudicada.

Os questionamentos acerca das urnas eletrônicas, feitos a essa altura por milhões de populares, são legítimos

A lista de descalabros não para por aqui. Em 2015, o Congresso Nacional aprovou a Lei 13.165/2015, cujo artigo 59, vetado por Dilma Rousseff, reinstituía o voto impresso, visando a transparência na apuração dos votos, e devolvendo com isso a necessária lisura ao processo eleitoral. A lei foi proposta por Jair Bolsonaro, o mesmo candidato que agora é prejudicado pelos relatos de problemas nas urnas eletrônicas. Contudo, em 6 de junho de 2018, instado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o STF derrubou, por 8 votos a 2, a lei que instituía o voto impresso nas eleições de 2018, em flagrante ato de ativismo judicial e usurpação das atribuições do Poder Legislativo. Mais uma vez, o argumento usado foi o da “segurança e lisura do processo eleitoral”, o que é impossível de se obter pelo do uso de urnas eletrônicas com apuração secreta. 

Por fim, no dia da votação, o atual ministro da Segurança Pública do governo Michel Temer, Raul Jugmann, notório militante filiado ao antigo Partido Comunista Brasileiro (hoje PPS), veio a público para dizer que questionamentos acerca das urnas eletrônicas são “inaceitáveis”. Nota-se o apreço que os comunistas têm pela censura dos meios de imprensa, e também como detestam ser questionados. Jungmann, aliás, já foi denunciado por crime de prevaricação e ameaça, após ter proferido as ameaças contra os cidadãos no legítimo clamor por seus direitos eleitorais. 

Outra autoridade que se levantou contra qualquer questionamento às urnas eletrônicas é a atual procuradora-geral Raquel Dodge, indicada por Michel Temer. Ela ameaçou, no dia das eleições, usar o aparato de Estado para perseguir e punir quem ousasse colocar em xeque a “inquestionável confiabilidade” das urnas eletrônicas. 

Note-se o contrassenso: a procuradora-geral da República age frontalmente contra o princípio republicano da separação entre os poderes, advogando a concentração dos poderes Executivo e Judiciário nas mãos do TSE, quando o que ela deveria ter feito era iniciar imediatamente uma apuração das denúncias, via PGR.

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Há uma série de razões pelas quais as urnas eletrônicas podem – e devem – ser alvo de questionamentos: 1. Como é possível que as urnas eletrônicas sejam utilizadas sob o pretexto de garantir a lisura das eleições e ao mesmo tempo jamais poderem ser alvo de qualquer questionamento? Se a intenção fosse realmente garantir a lisura das eleições, então todo questionamento deveria ser muito bem-vindo; 2. essas mesmas urnas eletrônicas foram resolutamente rechaçadas nos EUA, um dos países mais avançados do mundo em tecnologia, e que ainda utiliza um sistema de votação manual, assim como a maioria dos países desenvolvidos. 3. como lembrou o filósofo Olavo de Carvalho recentemente, não se pode minimizar fraudes eleitorais mediante emprego de urnas eletrônicas quando o povo não tem direito de apurar os votos, muito menos meios técnicos de auditar os instrumentos de votação; 4. no dia 8 de outubro, um dia após as eleições, suspeitas sobre as urnas eletrônicas surgem de todas as partes. 

Portanto, os questionamentos acerca das urnas eletrônicas, feitos a essa altura por milhões de populares, são legítimos. Negá-los ou, pior, tentar censurá-los, é um erro grave. Em um regime democrático, o direito mais solene do cidadão é a total transparência em relação a tudo que diz respeito ao seu voto, o que significa ter garantias sobre todo o processo de atribuição do voto ao representante escolhido. Um sistema eleitoral de urnas eletrônicas com apuração secreta, que não permite questionamentos e, pior, ameaça perseguir os cidadãos que reclamam por seu mais elevado direito precisa urgentemente de correção sob pena de prejudicar a democracia.

Dante Mantovani é professor universitário, especialista em Filosofia Política e Jurídica, mestre e doutor em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina; escritor, radialista e palestrante, diretor da Rádio MCI.
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