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Em plena ditadura militar, quem discordou do regime disse que se sentou diante da tevê para assistir à estreia do Brasil, na Copa de 70, para torcer contra a seleção. No primeiro drible de Rivelino, mandou às favas a ditadura. Torceu freneticamente pelo Brasil, mesmo sabendo que a vitória no México renderia dividendos ao governo.

Sou assim também. Não consigo torcer contra o Brasil. Não me importa quem esteja no poder, os problemas sociais, éticos ou morais que estejamos atravessando, sempre torcerei pela amarelinha.

Mas veio a derrota acachapante. Humilhante. Esmagadora.

E, como esse esporte é tratado como fenômeno cultural no Brasil, transcendendo a esfera esportiva, permito-me a digressão para outros setores.

Faltou a beleza sempre esperada quando o futebol brasileiro entra em campo. Mas essa beleza está ausente também fora do gramado. O bom gosto, a valorização do talento, da decência, de valores mais nobres tirou férias do Brasil faz tempo.

Um país que gerou a Bossa Nova, música atemporal e conhecida no mundo todo, mas ignora a memória de um Tom Jobim na abertura ou no encerramento da Copa não merece ser campeão. E o pior é saber que escapamos, por pouco, de vermos algum(a) funkeiro(a) da vida, tipo "beijinho no ombro".

Um país que exalta idiotas como os do Porta dos Fundos, que encara rolezinhos como legítima manifestação social, que ataca a polícia e defende black blocs, não merece se destacar em nada. Um país onde meia-dúzia de gatos pingados paralisam grandes cidades para protestar contra qualquer coisa, impedindo o direito de ir e vir de quem não é financiado para ir a manifestações, não merece capitalizar a conquista do hexa.

Um país em que pais e mães de família assistem, sem constrangimento, ao lado de seus filhos e filhas, a novelas que fariam corar o mais devasso imperador romano não jaz jus ao deleite sadio do esporte.

Outra coisa que me incomoda é o fato de o brasileiro contrapor planejamento, método, com a improvisação. Como se o jeitinho brasileiro, a flexibilidade do nosso way of life fosse algo que quebrasse a rigidez matemática desses CDFs europeus ou japoneses. Mas é exatamente o contrário. Se nossa capacidade de improviso fosse alicerçada com a segurança que o planejamento proporciona, seríamos imbatíveis em quase todos os setores. Mas não. Não prevemos nada. Driblamos as consequências.

Mais ou menos como acontece em São Paulo. O transporte público da cidade é um lixo. Qualquer cidadão que consegue juntar R$ 4 mil, R$ 5 mil compra um carro velho, que é muito melhor do que ficar enlatado em sucatas em forma de ônibus. Como consequência, o trânsito fica ainda mais caótico. O que faz o prefeito? Pinta uma faixa para ônibus no asfalto, proíbe, com multas leoninas, os "burgueses" que têm carro de invadir o espaço, e faz de conta que resolveu o problema.

Voltando o pêndulo para o futebol, resolvemos o jogo de estreia com uma farsa, um pênalti forjado. Mais um reflexo do que ocorre na sociedade. Ancorados no governo que há séculos cria dificuldades para vender facilidades, tornamo-nos o país do "caixa 2", da "caixinha", da "cervejinha", da extorsão. O péssimo exemplo de políticos de todos os matizes escorre lá de cima, como enxurrada de lodo fétido até a base da população, que se escora em bolsas assistencialistas para, de um lado, ganhar dinheiro sem esforço e, de outro, continuar presa fácil dos novos coronéis de nossa política.

Perdemos, fragorosamente, um jogo de futebol. Mas, muito pior, perdemos, cada vez mais, no cotidiano "deste país".

Roberto Zanin é jornalista e autor do blog robertozanin.com

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