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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Discutir abertamente sobre as drogas ilícitas no Brasil ainda é um tabu. Existem pelo menos duas fortes motivações que atravancam uma ampla discussão sobre o tema: a primeira se refere à cominação de grupos econômicos e políticos que se autofinanciam por meio do tráfico de entorpecentes; a segunda tem a ver com a cultura conservadora da sociedade brasileira que, por negar o problema, se mantém intencionalmente na insciência. Diante do estado patológico grave de violência que acomete o país, urge um debate sério entre a sociedade, o governo e os especialistas, com o apoio dos meios de comunicação, sobre a relação entre a criminalização das drogas e a violência.

De forma sucinta, existem duas correntes mundiais que tratam antagonicamente o problema das drogas e de suas consequências. O programa americano de guerra às drogas, adotado também no Brasil, apregoa uma abordagem policialesca, repressiva e punitiva – proíbe o consumo e criminaliza o uso. Tal política, adotada nos anos 1970, nem sequer conseguiu êxito no país de origem. Segundo a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (ONU, 2014), os Estados Unidos são os maiores consumidores de cocaína do mundo, e os dados da World Prison Population List (World Prison Brief, Institute for Criminal Policy Research) confirmam que o país tem a maior massa carcerária do planeta. Experiências práticas têm demonstrado que a “guerra contra as drogas” fortalece as organizações criminosas, abarrota as cadeias, aumenta as doenças graves e crônicas como HIV/Aids e hepatite, e recrudesce os crimes bárbaros, entre eles as execuções, as chacinas, os esquartejamentos e as decapitações. Para além, o cotidiano dos cidadãos é contaminado pelas violências difusas: violência urbana, violência infanto-juvenil e violência doméstica.

Para o senso comum, liberar as drogas ilícitas poderá estimular o consumo generalizado. Nada mais equivocado

Uma segunda concepção sobre o problema se alicerça nos fundamentos da saúde pública, uma abordagem de redução de riscos e danos. O usuário é monitorado quando do uso recreativo ou medicinal e tem acesso gratuito a tratamento de saúde. A Lei 8.080/1990, no seu artigo 2.º, determina que a saúde é um direito fundamental de todo o cidadão e é dever do Estado assegurá-la. As políticas públicas orientadas pela criminalização resultam em mais danos aos indivíduos e à sociedade do que propriamente o uso de drogas. Atribuem ao paciente, ao usuário e ao dependente químico o estigma de infrator. Nas famílias mais vulneráveis, excluem o adicto do convívio social e o impingem à marginalidade e ao trabalho para o crime.

Para o senso comum, liberar as drogas ilícitas poderá estimular o consumo generalizado. Nada mais equivocado. As bebidas alcoólicas e o tabaco são drogas lícitas e a prevalência do primeiro não evoluiu no país, e o uso do tabaco regrediu. Os tranquilizantes, os ansiolíticos e até os xaropes para tosse são drogas largamente utilizadas, mas sob controle médico. Descriminalizar as drogas no Brasil pressupõe um processo complexo que objetiva passar o controle da produção, distribuição e do consumo para a responsabilidade do Estado – uma tendência em muitos países desenvolvidos. No Brasil, o mercado ilegal das drogas financia a violência de modo a formar um amálgama, que de tão homogêneo não tem sido capaz de ser dissipado pelas políticas antidrogas.

As propostas do “novo” Plano de Segurança Pública, do governo federal, tendem a transformar o Brasil na bucólica Vila de Itaguaí. Os doutores Bacamartes construirão muitas Casas Verdes, onde os brasileiros de bem viverão em paz.

Nádia Lúcia Fuhrmann é pós-doutora em Sociologia da Violência.
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