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A reflexão aqui desenvolvida tem origem na perplexidade causada pelas contradições vividas em meio ao meu ativismo social em movimentos populares periféricos. Muito se fala sobre as mazelas sociais, entre elas a onda de violência e intolerância que atinge o país. Atos violentos são cometidos a todo momento, e militantes não sentem remorso pelos atos cometidos. Até quando isso vai acontecer?

Essa pergunta ecoa em meio à sociedade que clama por justiça, levantando questionamentos a respeito da redução da maioridade penal. "Eu morri por ‘só’ ter R$ 30" – essa frase é um diagnóstico dessa realidade descontrolada. Porém, é mais uma história trágica em meio a outras. Casos como esse estão se tornando rotina, não são mais episódios isolados. Histórias como a da dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza, assassinada em São Bernardo (SP), em seu estabelecimento comercial; ou do empresário José Luiz de Souza, assassinado com um tiro no peito durante um assalto em Londrina, também em seu estabelecimento comercial, por si só ilustram essa realidade – mas que não é apenas atual; lembremo-nos do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, que em 1997 foi assassinado, queimado vivo enquanto dormia em um ponto de ônibus em Brasília.

São episódios semelhantes, todos praticados com requintes de crueldade, ao ponto de tirar vidas. Todos com participação de menores de idade. Diante dos fatos, as discussões surgem em meio à brutalidade. No entanto, não se pode atribuir a violência a um só fator – a participação dos menores – como vem se afirmando, mas a diversos fatores que, por sua vez, fazem parte do todo "sociedade", que há anos passa por desestruturação hierárquica. Não há argumento suficiente para legitimar essa onda de violência a um único fator, e também não há argumento que testifique que a redução da maioridade penal trará paz para a sociedade.

A sociedade é práxis regida por um sistema hierárquico. Mas essa práxis, em parte, vivencia a sua decadência estrutural, não correspondendo à demanda social e proporcionando, em larga escala, o desequilíbrio social. Direitos violados e deveres não cumpridos, ou seja, causa e efeito. O retorno dessa violação é o aumento das mazelas sociais, a exemplo da onda de violência atual.

Atribui-se essa onda de violência aos menores, mas o que esperar deles? As periferias, em sua maioria, estão esquecidas. Falta saneamento básico, energia elétrica e iluminação pública, saúde, transporte, lazer, cultura, esporte, segurança pública etc. Os adolescentes caminham lado a lado com a criminalidade, levando consigo várias vidas.

Os valores familiares, educacionais, governamentais, culturais, religiosos e de vivência em sociedade não são mais pautados entre as novas gerações. Estes são valores básicos para viver em sociedade, mas enquanto não houver o resgate desses valores a própria sociedade sofrerá. Deveres não cumpridos geram direitos violados – hoje, violados por menores; amanhã, não saberemos por quem, mas o certo é que que serão violados.

José Antonio C. Jardim, teólogo, acadêmi­co de Psicologia, é técnico em Dependência Química, ativista social, consultor de projeto social, produtor cultural, empreendedor, presidente da ONG Fábrica da Cidadania e coordenador estadual da Central Única de Favelas (Cufa) Paraná.

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