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STF
Novo formato implantado por Barroso terá um intervalo entre as sustentações dos advogados e dos ministros.| Foto: Carlos Moura/STF

Recentemente, um debate sobre os votos dos ministros das Cortes Superiores tornarem-se secretos foi levantado e gerou críticas, mas também apoio por parte de integrantes do governo. O presidente Lula trouxe o tema à tona em sua live semanal, Conversa com o Presidente, em que ressaltou que a medida poderia diminuir a “animosidade” contra a Suprema Corte.

Os atos processuais pelos quais os ministros são responsáveis se dividem entre despachos e decisões. São nos Tribunais Superiores que as decisões são julgadas e decididas de forma colegiada, muitas vezes, com intenso debate sobre os temas. Não muito distante, os votos dos ministros, no Brasil, eram passíveis de serem presenciados e ouvidos apenas por quem participava das sessões, o que não os tornavam secretos, mas com certeza não havia tanta visibilidade como há hoje em dia.

A publicidade não é um mal, muito pelo contrário, mas a maneira como se exacerbou faz com que o assunto deva ser repensado e debatido.

O modelo eram sessões públicas, com um ou outro caso em que havia uma reserva dos votos, mas era uma coisa muito rara e não havia uma preocupação com a publicização, muito menos de uma forma midiática. O que aconteceu foi que em um determinado momento, e isso foi natural com o predomínio da transparência e o advento da necessidade de se dar uma satisfação para a opinião pública e o cidadão, é que as sessões passaram a ser televisionadas, com a criação da TV Justiça, em 2002.

A questão central é que os votos dos nossos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dos demais Tribunais Superiores devem ser baseados em suas convicções, respaldadas por suas opiniões, formações políticas, jurídicas e ideológicas. Logo, é natural que exista um dissenso entre eles. Mas, talvez, a proposição feita pelo presidente Lula não seja má, porque o excesso da publicização, televisionamento e até a transmissão online faz com que, muitas vezes, o responsável pelo voto acabe se “contaminando” pela perspectiva da pressão pública. Isto é, acaba por não votar exatamente com aquilo que acredita e pode acontece eventualmente de votar muito mais de acordo com o que percebe que a opinião pública fará de julgamento dele e não necessariamente de acordo com a sua convicção íntima e a sua maneira de pensar.

Tem mais um ponto para analisar, sendo este não menos importante e que não podemos desprezar, de que o envolvido no voto possa ser pressionado ou, mais recentemente, sofra o fenômeno do “cancelamento”, porque a pretensa “opinião pública’” quer (exige) que ele vote de acordo com o que a mesma entende como correto.

Um exemplo recente desse último caso aconteceu com o novo ministro Zanin, que gerou uma expectativa em diversas camadas da sociedade, já que ele foi indicado pelo presidente Lula (PT). Por suposição de grupos sociais, seus eventuais votos deveriam ser de acordo com o que esses setores esperam de um ministro assim indicado, sobretudo no que diz respeito à pauta de costumes, digamos mais progressista ou aquilo que essas parcelas imaginam ser mais progressista. E ele, de uma certa maneira, contrariando essa expectativa, ao votar contra a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal acabou recebendo uma enxurrada de críticas. Como se um ministro indicado pelo presidente tivesse que ter uma ligação ou “um rabo preso” com as opiniões que se espera de um indicado em um governo progressista.

Um ministro está no STF, no caso do Zanin e dos outros ministros, pois foram sabatinados e devidamente aprovados, portanto, a indicação do presidente passou primeiro pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e depois pelo Plenário. E depois que se torna ministro, o escolhido julga de acordo com as suas convicções, então esperar que o mesmo tenha que julgar com um modelo pré-imaginado por certa parte da população é completamente esdrúxulo.

Se observarmos outros países, como a Corte Constitucional Alemã e a Suprema Corte dos EUA, há dissenso, “brigas” e diferenças de opiniões, mas quando a decisão é divulgada, sendo por maioria ou unânime, sai apenas uma posição para opinião pública, mídia e para o cidadão. Ou seja, apenas parte dos julgamentos são divulgados.

Tivemos uma propensão, nos últimos anos, para a publicização do que acontece nos julgamentos, o que, em um primeiro momento, se tem como ganho de democraticidade, mas que a médio e longo prazo provoca eventual distorção. A publicidade não é um mal, muito pelo contrário, mas a maneira como se exacerbou faz com que o assunto deva ser repensado e debatido. No que diz respeito a tornar os votos secretos, seria necessário a criação de uma PEC, ou seja, a tramitação e uma regular promulgação desta Emenda Constitucional.

Acredito que seja pouco provável que, nas atuais circunstâncias do Brasil, com o grau de publicidade e valor que se dá à transparência, isso seja plausível de ser aprovado agora.

Rubens Beçak, mestre e doutor em Direito Constitucional e livre-docente em Teoria Geral do Estado, é professor de graduação e pós-graduação da USP.

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