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O apoio da presidente Dilma Rousseff ao retorno de Renan Calheiros à presidência do Senado é de um cinismo impressionante

A lição cínica de Maquiavel segundo a qual "o fim justifica os meios" tem sido prática comum da política rasteira que, lamentavelmente, se pratica no país. Derivam dessa lição episódios escandalosos como, apenas para citar o mais emblemático de todos dos casos, o do mensalão – esquema que distribuía dinheiro público para cooptar apoios parlamentares e que finalmente está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal. Ao que parece, nada pode contra os seguidores da doutrina de O Príncipe. De quase nada adiantam leis como a da Ficha Limpa, os códigos de ética pública, o Código Penal, a Constituição... Nada parece suficiente para deter a sanha dos que atentam contra os princípios da República ou da democracia representativa. O que vale é a "lei de Gérson", que preconiza o direito de tirar vantagem em tudo, sempre, inevitavelmente em sentido contrário ao bem coletivo e à moral.

Enquanto neste exato momento em que o Judiciário cumpre zelosamente o papel de julgar e condenar os malfeitores que atuaram no mensalão, no exato momento em que se acendiam luzes de esperança quanto ao fim da generalizada impunidade que costuma proteger os poderosos, eis que se prenuncia uma nova agressão à honesta consciência popular. Trata-se da possibilidade de o senador Renan Calheiros vir a suceder o notório senador José Sarney na presidência do Senado Federal, com o apoio da presidente Dilma Rousseff.

Todos conhecemos o perfil político e pessoal do parlamentar alagoano, cuja vida política se iniciou como cabo eleitoral, predileto ajudante de ordens do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Todos conhecemos também a história mais recente do senador Renan Calheiros – que em 2007 renunciou ao mandato para evitar a cassação, após a descoberta de que se valia de recursos de uma empreiteira "amiga" para pagar pensão à mulher com quem tivera um filho em relação extraconjugal.

Dir-se-ia: este é um caso de sua vida pessoal, uma intimidade que não teria de ser trazida a público e que, portanto, não conspurcaria sua atuação como homem público. Não, não se trata de uma visão moralista concluirmos em sentido oposto – isto é, fez uso do poder político para contornar a situação irresponsável em que se meteu. Se o fim era acobertar o embaraço familiar e político, não teve pejo em valer-se de meio ilícito para atingi-lo.

É esse o político que queremos dirigindo um dos poderes da República? O mais simplório e intuitivo senso moral do brasileiro comum não o recomendaria. Entretanto, para atingir o fim de não ter problemas de relacionamento político com o Congresso e para não enfrentar entraves na aprovação de projetos de seu interesse no Senado, a presidente Dilma Rousseff julga que o meio mais fácil ao seu alcance é se curvar a Renan Calheiros e, ao mesmo tempo, não desagradar a José Sarney.

O cenário é estranho em dois sentidos. Primeiro, por configurar uma intromissão do Executivo em um assunto que é de competência exclusiva do Legislativo; fere os princípios republicanos da harmonia e da independência dos poderes. Segundo, porque atende ao mesmo tempo aos meios e aos fins – dependendo do ponto de vista dos personagens da trama política que poderá levar Calheiros à presidência do Senado. Isto porque, se até há pouco o candidato preferencial da Presidência era o ministro das Minas e Energia, senador Edison Lobão, descobriu-se em seguida que tirá-lo do ministério significa mexer no feudo do poderoso senador José Sarney.

Meios e fins se complementam para resultar em mais um escárnio à opinião pública e em outra das costumeiras agressões à esperança do povo e à necessidade do país de resgatar o mínimo de seriedade e honestidade na política brasileira. O resto é cinismo maquiavélico.

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