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A forma pela qual os dirigentes do PT estão reagindo à crise deflagrada com a divulgação de suas práticas financeiras está cada vez mais parecida com o caso daquele sujeito que matou o pai e a mãe e depois pediu ao juiz clemência por ser órfão.

A tão cultuada tradição de honorabilidade do partido e a pretendida elevação moral de seus quadros humanos ruíram quando se constata que altos próceres, inclusive o ex-presidente da Câmara Federal, mentiram em relação às suas transações financeiras com o Banco Rural, o ex-secretário-geral se recusa a dizer se comprou ou ganhou um Land Rover de um fornecedor da Petrobrás e o ex-tesoureiro muda suas versões a respeito dos fatos como quem muda de camisa (ou de cuecas para ficar no zeitgeist da era petista).

Se o que o tesoureiro declara é verdade, a tomada democrática e colegiada de decisões internas de que tanto se gabava também foi para o espaço, pois foi capaz de assumir sozinho milhões de reais de empréstimos ilegais, junto a empresas que tinham interesse financeiro no governo sem consultar qualquer dirigente ou qualquer instância coletiva de decisão. Das duas uma: ou o PT não tinha administração interna para evitar que decisões isoladas de um de seus dirigentes levassem o partido à desmoralização, ao cometimento de crimes e à bancarrota financeira, o que é pouco crível; ou o que o país está assistindo é uma enorme mistificação que fica evidente a cada dia que passa e novos documentos e revelações vão aparecendo.

No entanto, os dirigentes do PT não estão se colocando como pessoas que transgrediram os limites da moralidade administrativa, favorecendo prestadores de serviços ao governo em troca de "empréstimos" não contabilizados ao partido e seus membros, ou para comprar a simpatia de aliados. Estão se colocando como vítimas das mazelas do processo eleitoral brasileiro, obrigados a adotar práticas de financiamento condenáveis mas – que fazer – antigas e generalizadas na política nacional. Para o tesoureiro licenciado do PT, o partido está prestando um serviço à nação ao assumir publicamente que comete crimes eleitorais, como se dissesse como um personagem de Chico Anísio: "Sou, mas quem não é...?". Clemência, meritíssimo!

Os desdobramentos dessa crise estão apenas começando e os impactos já são assustadores. Não adianta tentar-se minimizar os efeitos falando da economia que continua a funcionar normalmente, com a inflação domada, o dólar estável e o comércio exterior acumulando superávits históricos. Nem consola constatar que as instituições democráticas resistem incólumes a esse terremoto. O que vale notar é que a elite política brasileira e o processo político brasileiro estão sendo desmoralizados impiedosamente pelos fatos. O que importa é que, sem meias palavras ou eufemismos, a população está percebendo que aqueles que a dirigem e que a representam nos parlamentos abandonaram qualquer escrúpulo e passaram a tratar esse amor bandido entre empresários e lobistas de uma parte e autoridades políticas complacentes, omissas ou simplesmente desonestas de outro, com absoluta naturalidade, como se o assalto aos cofres da nação fosse uma inevitabilidade histórica. O que conta, ainda, é que, em função dessa desmoralização, reina no país um clima de absoluto desrespeito à autoridade constituída, de chacota, de achincalhe que não poupa nada ou ninguém. Basta que nos lembremos da entrevista do presidente nos jardins de um castelo francês a uma jovem jornalista brasileira absolutamente desconhecida, que não hesitava em tratá-lo de "você", intercalando-o com "o senhor" e "vossa excelência". Se ela ousasse chamar o porteiro do prédio em que mora ou o boy do escritório em que trabalha em Paris de "você", rapidamente seria lembrada com a habitual franqueza francesa de que essa liberdade não lhe havia sido dada, que "tutoyer" alguém, chamá-lo de tu, é um privilégio que se reserva para os amigos e parentes muito, muito íntimos. Mas... o presidente do Brasil? Por que não?

Só há uma maneira de tentar restaurar, mesmo que penosamente, o respeito à autoridade do Estado e da classe política: é entender que, dessa vez, não se trata de extirpar uma verruga e sim de eliminar um tumor maligno e, portanto, que é inevitável uma vasta faxina no Congresso e no Executivo. E que é urgente reinventar as formas pelas quais o país é governado e pelas quais os cidadãos controlam os atos de seus prepostos. Antes que seja demasiado tarde.

P.S. Vez por outra um amigo generoso lê esta coluna e encaminha um comentário favorável à Gazeta do Povo. Na semana passada foi Miguel Salomão, exemplo de capacidade técnica, probidade pessoal e espírito público. Salomão, fiel à sua vocação e sua generosidade de espírito, está às voltas com a missão de estruturar as finanças públicas de Angola, depois da destruição da guerra civil. Tarefa gigantesca, mas plenamente compatível com seu talento e seu coração generoso.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Business School.

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