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No ordenamento jurídico brasileiro, dá-se o nome de “Teoria dos frutos da árvore envenenada” à contaminação automática de todas as provas lícitas obtidas a partir de uma prova ilícita. A tese está positivada no artigo 5.º, LVI, da Constituição Federal e no artigo 157 do Código de Processo Penal. O exemplo clássico é torturar uma pessoa com a finalidade de obter informação (prova ilícita) para elucidar um crime a partir de provas lícitas que se tornam ilícitas por contaminação. Eis o espírito da teoria: uma árvore envenenada dará frutos envenenados.

Antes do mundo jurídico, árvores e frutos já povoavam metáforas bíblicas e ditos populares. Na Idade Média, a maçã era tanto um símbolo positivo (absolvição do pecado, vida eterna) quanto negativo (o pecado original). E a árvore que originava os frutos representava o eixo do mundo e a cruz da redenção.

A inspiração da “Teoria dos frutos da árvore envenenada” teria vindo da seguinte passagem de Mateus (7, 17-20): “Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons. Toda árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis”.

A confusão mental e verbal de Dilma Rousseff a precede

Na política, especialmente na política brasileira, predomina o aspecto negativo: a árvore má produz frutos maus. Dilma Rousseff e o PT, por exemplo. Dilma e o PT são os maus frutos da árvore má, que é o socialismo/comunismo. PMDB e PSDB também são frutos de árvores más de natureza complementar (fisiologismo, patrimonialismo et caterva). Uma árvore envenenada dá frutos envenenados.

Em entrevista concedida na semana passada, o mau fruto Dilma Rousseff estabeleceu um novo patamar no uso de metáfora arbórea: “se você considera o Brasil uma árvore, o golpe é um machado cortando essa árvore. E ela está sendo atacada por parasitas e por fungos”.

A confusão mental e verbal de Dilma Rousseff a precede. Escrevi no meu livro Pare de acreditar no Governo sobre a dificuldade de analisar um governo cuja presidente era incompreensível quando falava e agia.

Imaginemos, então, em seu mundo imaginário, o Brasil como uma árvore e Michel Temer e todos os que apoiam o impeachment como parasitas e fungos. As perguntas que certamente enlouqueceriam Hamlet são basicamente essas: se os golpistas são parasitas e fungos, quem está cortando a árvore com o machado? Se forem ambos, como conseguem empunhar um machado? Sendo árvore, se o Brasil fosse cortado, cairia sobre o Oceano Atlântico e afundaria parte do continente africano ou submergiria no Oceano Pacífico e eliminaria partes da América do Sul?

Metáforas são poderosos instrumentos da retórica política. Se certeiras, definem ou mudam os rumos do jogo; se equivocadas, viram o jogo contra quem as profere. Tivemos grandes retóricos na política brasileira. Carlos Lacerda era um deles. Quando comparamos Lacerda com Dilma temos a exata noção da degradação atual. Não dá para imaginar Lacerda a dizer coisas como “sempre que você olha uma criança, há sempre uma figura oculta, que é um cachorro atrás”. Nunca. Jamais.

No meu livro também escrevi que “se o presidente Lula falava demais, e quanto mais falava mais se complicava, Dilma Rousseff”, que falava menos, não dizia coisa com coisa, e que, no futuro, seria “lembrada por ter feito do governo a expressão do seu talento para a comunicação”. Pois bem, o futuro da árvore e dos frutos envenenados já chegou – com ou sem impeachment.

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