A política formal e a confusão ideológica dispersa nos partidos políticos existentes hoje no Brasil tornam difícil acreditar que durante um período da nossa história os partidos Conservador e Liberal eram as duas grandes forças que se alternavam no poder e que fundamentavam suas ações em ideias vigorosas.

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No caso dos Conservadores, assunto iniciado no artigo da semana passada, um aspecto fundamental eram os vínculos profundos que tinham “com as bases rurais da vida nacional”, segundo o historiador João Camilo de Oliveira Torres em Os Construtores do Império – Ideais e lutas do Partido Conservador Brasileiro. Mesmo não sendo ligados aos grandes proprietários rurais como os liberais, os Conservadores eram “homens que viviam a realidade concreta do país em que estavam, não do país em que gostariam de estar”.

É comum o equívoco de acusar o conservador de idealizar o passado, pois uma de suas grandes virtudes é o seu vínculo com o presente e a percepção das suas contingências, modificações, oportunidades e desafios.

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Essa postura tinha como resultado aquilo que o cientista político Christian Lynch, brilhante estudioso da política brasileira do século 19, chamou de uma “espécie de epistemologia” dos Saquaremas: “antes de procurar alterar a realidade e promover reformas institucionais”, era “preciso conhecer a realidade nacional, olhar para o país e fazer as adaptações do que se deseja importar” (“Saquaremas & Luzias - A sociologia do desgosto com o Brasil”, Revista Insight/Inteligência, 2011).

Essa ligação dos Saquaremas com a cultura do país permitiam-lhes desenvolver uma práxis realista e objetiva, e, no âmbito do Partido Conservador, desenvolver e defender “uma política mais consistente, mais autêntica”. Por isso, foram a vanguarda da época: agentes de mudanças sociais importantíssimas, como a abolição da escravatura.

Combinando ideias e práticas dos Saquaremas com a concepção de autores brasileiros e estrangeiros como Alceu Amoroso Lima, F. J. C. Hearnshaw e Russell Kirk, João Camilo propôs como definição (ainda que parcial) do Conservadorismo brasileiro “uma posição política que reconhece que a existência das comunidades está sujeita a determinadas condições e que as mudanças sociais, para serem justas e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o passado e o futuro”.

Porque o passado é o grande conselheiro do presente, ensinando à sociedade aquilo que deve ser preservado e o que deve ser eliminado. É comum o equívoco de acusar o conservador de idealizar o passado, pois uma de suas grandes virtudes é o seu vínculo com o presente e a percepção das suas contingências, modificações, oportunidades e desafios. Esta característica fê-lo desenvolver uma extraordinária capacidade para lidar com as mudanças maléficas e adaptar-se às inovações benéficas.

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Não faz o menor sentido, portanto, a acusação segundo a qual os conservadores querem “conservar tudo, de bom ou de mau, só por ser antigo”. Porque isto não é Conservadorismo, mas “conservantismo”, como explica João Camilo no precioso livro O Elogio do Conservadorismo (Editora Arcadia), que será lançado em breve.

Essa relação entre passado, presente e futuro era cara ao Conservador brasileiro do século 19, que tentava adaptar “o antigo ao novo, sem destruir o antigo, nem negar o novo”, para dessa forma resolver as “questões concretas de maneira específica”.

Os Conservadores defendiam, sim, reformas, mas rechaçavam alterações radicais assentadas na ideia de desvincular o novo do antigo, e de destruir o antigo para inaugurar o novo. Na síntese de João Camilo, o Conservadorismo destina-se “a fazer com que as transformações não façam, nunca, o vagão saltar fora dos trilhos — mantém a sociedade em seus lugares, acomoda as reformas, serve de freio, de lastro”. (Continua na próxima semana)