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Talvez eu esteja louco. Diante de uma crise econômica sem paralelos desde os anos 30, pretendo dizer que a nossa crise é de saúde mental. Na verdade, estamos vivendo uma crise que tem múltiplas dimensões: é, certamente, econômica, mas também é cultural, ética, social e ambiental, e creio que um dos sintomas dessa crise seja a saúde mental.

Lembro de ter ouvido o médico Vitor Pordeus expressar essa ideia: nossa crise é de saúde mental. Devemos examinar a nós mesmos para vermos como estamos loucos, e como é grave a loucura geral.

A experiência de Nise da Silveira nunca foi verdadeiramente reconhecida pelas autoridades

Recentemente conheci o trabalho desse médico, no Instituto Municipal Nise da Silveira, no Rio de Janeiro, onde desenvolveu um riquíssimo trabalho de terapia em saúde mental baseada na expressão artística, uma ideia que foi ensinada pela médica que dá nome à instituição. Nise da Silveira, que morreu em 1999, dedicou sua vida ao tratamento humanizado dos doentes mentais. Aliás, há um filme – Nise, o coração da loucura, até poucos meses atrás em cartaz nos cinemas – que conta a experiência dessa médica. Nele, vemos como a loucura está, na verdade, impregnada na “normalidade”. Médicos viam-se satisfeitos com tratamentos violentos, baseados em eletrochoque, reclusão, lobotomia e castigos físicos. Supostamente, os pacientes é que eram os loucos.

Nise da Silveira resolveu oferecer aos pacientes, por ela chamados de “clientes”, a oportunidade de se expressar por meio da arte. Ofereceu matéria-prima para pintura, escultura e escrita, e os resultados foram impressionantes. Vários pacientes demonstraram talentos inatos na expressão artística, e produziram materiais tão qualificados que permitiram a organização de exposições de arte elogiadas pela crítica. Alguns pacientes, depois dessa terapia, saíram do hospital para viver da sua arte.

Mas a experiência de Nise da Silveira nunca foi verdadeiramente reconhecida pelas autoridades. Pelo contrário, era combatida pelos dirigentes da instituição de forma perversa, como na oportunidade em que os cães que faziam companhia para os internos do hospital e contribuíam com as terapias foram envenenados de forma criminosa.

Vitor Pordeus, o médico que vê loucura na nossa crise, desenvolvia, desde 2009, um projeto que praticava o teatro como forma de terapia para doentes mentais. Em meio a referências a Goethe, Shakespeare e Bertolt Brecht, Vitor dava aos pacientes a matéria-prima para superar medos e angústias. Uma experiência de cura.

Dois andares abandonados da antiga enfermaria do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro foram transformados no chamado “Hotel da Loucura”, que passou a funcionar a partir de 2012, unindo internos e a comunidade externa nas oficinas de teatro e expressão artística. Diversas reportagens já divulgaram a riqueza do trabalho desenvolvido nesse local, e a experiência já foi elogiada em vários cantos do mundo.

Mas agora o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, resolveu colocar veneno na experiência criativa e tomou medidas que resultarão no fechamento do Hotel da Loucura, preservando apenas as terapias convencionais para o tratamento da saúde mental.

O caso é emblemático. As autoridades não se interessam por tratamentos humanizados em saúde, e insistem nas formas convencionais, muitas vezes pouco eficientes, mas possivelmente mais lucrativas. Eis a grande loucura, quando o interesse econômico se sobrepõe ao benefício humano.

Enquanto isso, as pessoas seguem dependentes dos medicamentos. Cada vez mais frequentes, os remédios para curar nossas angústias do cotidiano têm sido a marca de uma sociedade em crise, enquanto experiências que estimulam a expressão da humanidade têm sido caladas, como é o caso do Hotel da Loucura.

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