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A recente matéria do jornal britânico The Guardian inflou um pouco mais a já hipertrofiada autoestima da cidade de Curitiba. “Cidade mais verde da terra” e “mais inovadora do mundo” foram alguns dos adjetivos que o tabloide dedicou à nossa cidade.

Em uma espécie de síndrome de vira-latas ao avesso, há em Curitiba uma cultura de contar vantagem em relação a outras cidades, alimentada pela propaganda oficial do poder público. Na contramão da opinião pública crítica, que costuma enfrentar os discursos de realizações da prefeitura demonstrando suas falhas, uma parte da opinião pública de Curitiba se satisfaz com as narrativas autoelogiosas feitas pela gestão.

Sendo justo, é correto afirmar que houve realizações importantes na gestão urbana de Curitiba que, em algumas frentes, de fato se destacou como vanguarda. Mas é preciso também olhar para a dinâmica da cidade que não pode admitir um discurso preso no tempo. Algumas inovações datam dos anos 70 e se prestavam a resolver os problemas daquele tempo; muitas vezes, nota-se que nada de novo foi feito desde então.

O primeiro passo para a gestão urbana é reconhecer, criticamente, todas as falhas

Os jornalistas do The Guardian, aliás, focaram boa parte da sua matéria nos feitos de Jaime Lerner, que já não é prefeito da cidade há mais de 20 anos! Claro, certamente Lerner deixou herdeiros na gestão municipal, mas seus feitos são muito menos elogiosos.

Mesmo assim, o presidente da autarquia municipal de planejamento urbano, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Sérgio Pires, discursou na Câmara de Vereadores ressaltando a imagem internacional da cidade, assumindo para si também os elogios do jornal inglês – que, a rigor, cheiram a naftalina e nem sequer mencionam realizações do governo Fruet, que já está no último ano.

Quem é curitibano há mais tempo já sabe de cor todo o discurso autoelogioso da cidade, e sabe também que grande parte dos feitos de inovação da cidade encontra fraturas na realidade. Não podemos levar tão a sério toda essa ladainha.

Que façamos desse tipo de discurso uma espécie de conforto para a nossa autoestima, em comparação com outras cidades, é uma coisa. Mas é desonestidade intelectual utilizar a propaganda oficial como argumento entre nós. Sabemos que a realidade da cidade está muito distante da propaganda, e é dever daqueles que estão conduzindo a gestão urbana municipal enfrentar a verdade, e não repetir discursos prontos.

Quando o presidente do órgão municipal de planejamento reitera a propaganda, vemos que estamos longe de enfrentar os problemas da cidade. O primeiro passo para a gestão urbana é reconhecer, criticamente, todas as falhas. E essa alienação do Ippuc em pleno processo de revisão da Lei de Zoneamento pode sinalizar para problemas ainda mais graves no futuro. Afinal, se o Ippuc acredita na propaganda de que a cidade já é suficientemente inovadora e verde, provavelmente não irá propor mudanças para enfrentar as contradições.

Enquanto isso, o transporte público da cidade de Curitiba perde usuários, vítimas de uma gestão que desestimula o uso dos ônibus e não investe suficientemente em outros modais de mobilidade sustentável. Como consequência, cresce o número de carros – o que é visto pela gestão urbana, veja só, como outra virtude a demonstrar o poder aquisitivo dos moradores da cidade, em vez de ser um sinal vermelho para a crise na mobilidade. A fila da demanda habitacional explode em progressão geométrica, e as demandas populares por espaços públicos e áreas verdes são olimpicamente ignoradas.

As coisas não vão bem na cidade de Curitiba. A notícia do The Guardian poderia muito bem ter sido publicada 20 anos atrás, pois não revela nada de novo sobre a cidade de Curitiba e não fala, nem elogios nem críticas, sobre a realidade atual. É uma reportagem sobre o passado, enquanto os curitibanos vivem o presente em busca de um futuro melhor.

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