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| Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP

A recente crise da Cracolândia em São Paulo expõe a ferida do serviço de atendimento em saúde mental no Brasil. Em um contexto de agravamento dos problemas sociais, o aumento da população em situação de rua e a proliferação do uso de drogas parecem problemas maiores do que qualquer perspectiva de solução.

Também vivemos um contexto de redefinição das políticas em saúde mental. Com a Lei Federal 10.216/01, um marco da chamada “luta antimanicomial”, o Brasil passou a encarar o problema dos hospitais psiquiátricos, ou manicômios, onde as pessoas com todo tipo de sofrimento mental eram internadas.

O internamento massivo de pessoas em instituições psiquiátricas sempre foi um grave problema. Muitas pessoas ficavam internadas nessa condição por décadas, até a morte, e eram abandonadas por suas famílias e pela comunidade. O livro da jornalista Daniela Arbex Holocausto Brasileiro, também retratado em um documentário, conta um pouco dessa história a partir do Hospital Colônia de Barbacena.

A prefeitura de São Paulo resolveu fazer o que parece mais “fácil”

Se a existência dos manicômios, por um lado, resultava nas graves agressões à dignidade das pessoas internadas, que em geral nunca eram reinseridas na sociedade, por outro lado “aliviava” a sociedade ao tirar de circulação todos os “problemáticos”, “diferentes” ou “desajustados”.

Com o fechamento de quase todos os manicômios, hoje a sociedade já não tem mais para onde enviar, por meio dos internamentos compulsórios, a sociedade marginalizada que se estabelece nas chamadas “cracolândias”. Em tese, os manicômios deveriam ser substituídos por equipamentos de saúde chamados Centros de Atendimento Psicossocial (Caps), que realizariam tratamentos especializados em saúde mental, podendo haver internamento em casos excepcionais e de acordo com a vontade da pessoa atendida.

O grande problema é que o avanço do fechamento dos manicômios não foi acompanhado de investimentos relevantes em saúde mental para atender a toda a população que precisa desse tipo de atendimento. Por um lado, temos uma população cada vez maior, demandando o atendimento especializado em saúde mental, e por outro lado não existe estrutura pública para dar conta de toda essa demanda.

O resultado disso é que hoje, sem manicômios ao estilo tradicional e sem Caps suficientes para todos, as ruas e praças das grandes cidades viraram “manicômios” a céu aberto. O funcionamento das cracolândias é análogo ao dos antigos manicômios: as pessoas ficam depositadas no local, sedadas por longos períodos, alienadas da vida em comunidade.

Diante do beco sem saída, a prefeitura de São Paulo resolve fazer o que parece mais “fácil”: manda que as pessoas sejam expulsas da Cracolândia à força, e determina o internamento compulsório dos usuários de crack. O primeiro problema é que o internamento compulsório generalizado é contrário à lei, justamente porque levaria à repetição dos manicômios. O segundo problema é que nem sequer existem vagas no serviço de saúde pública para atender ou internar todos os moradores da Cracolândia, mesmo que eles quisessem! Dessa forma, tudo o que a prefeitura conseguiu fazer foi proliferar pequenas cracolândias por várias partes da região central.

Como eu comecei dizendo, o problema parece bem maior que qualquer perspectiva de solução, mas uma coisa parece óbvia: se a prefeitura quiser fazer a medida, mesmo ilegal, de internamento forçado dos usuários de crack, é básico que ela aumente as vagas e a capacidade de atendimento dos equipamentos dos Caps. E, nesse ponto, parece que temos uma conclusão em comum com aqueles que são contrários ao internamento forçado: se não houver mais investimento em saúde mental, nada de novo vai acontecer. Então, resumindo, tudo começa e, talvez, termina com a existência de um programa sério de saúde mental.

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