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Rio de Janeiro – Maior produtor mundial de melancia, o povo daquele país vivia tragicamente dividido entre aqueles que cortavam aquela fruta no sentido longitudinal e aqueles que a cortavam lateralmente. Era uma guerra feroz, que remontava a cinco séculos, desde que Cornélio II, o Desditoso, se apossara do trono e fundara a dinastia da qual o rei atual era o derradeiro rebento.

Nos últimos tempos, cidades foram sitiadas, colheitas dizimadas, todos passavam fome, nem melancia se podia comer. Fosse qual fosse o partido, havia sempre um inimigo que o degolava porque cortara a fruta de forma errada.

Os jornais de cada facção se atacavam com bárbara violência, os adversários eram chamados de sicofantas, e embora ninguém soubesse o que era sicofanta, todos imaginavam que devia ser uma ofensa terrível, daí que os ânimos, que já estavam quentes, ficavam quentíssimos. Injuriados, todos matavam velhos, senhoras, crianças e animais domésticos. Defloravam-se donzelas.

A situação chegou a tal ponto que o rei decidiu intervir, convocando a assembléia geral, que não se reunia desde o reinado de Cosme VI, o Infortunado. Na assembléia, tiveram assento os principais líderes dos dois lados e, após cinco dias e cinco noites de debates homicidas, chegaram a um consenso: transferiam ao rei o poder de decisão. Com sua sabedoria e sua experiência em dirimir crises morais e institucionais, certamente baixaria um decreto que acabaria com a discórdia na qual o povo se engalfinhava.

Ouvidas as partes, o soberano meditou cinco dias e cinco noites e baixou um decreto que tomou o número 53.697. Tinha um único artigo e um único parágrafo: "A partir desta data, as melancias devem ser cortadas pelo lado certo. Parágrafo único: revogam-se as disposições em contrário".

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