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A tradição judaico-cristã enfatiza, sabiamente, que é justo e necessário dar graças a todo momento. No judaísmo, há orações de ação de graças para cada coisa: para cada tipo de comida, para ver uma bela paisagem, uma linda mulher, um rei, ou mesmo ao receber uma má notícia. Em tudo há razão para gratidão.

O sentido deste bom hábito é algo perfeitamente conforme à natureza humana. Nós desenvolvemos na nossa prática cotidiana – como os psicólogos behavioristas já descreveram melhor que eu – uma maneira habitual de perceber o mundo. Quando nos forçamos a perceber o que há de bom no mundo, treinamo-nos para continuar percebendo. A alternativa única é um treinamento inconsciente para fechar os olhos ao que há de bom; quem a adota acaba se vendo de mau humor em um dia maravilhoso porque, em meio a tanta beleza, há um probleminha, uma expectativa não cumprida.

Mesmo as piores tragédias têm sempre nelas algo que pode e deve ser apreciado, uma beleza que pode nos surpreender se estivermos preparados para encontrá-la. Das cores que brilham e se dissolvem na água suja da sarjeta à intrincada forma das nuvens de chuva, da florzinha que nasce no cimento quebrado ao sorriso da mãe que fala com o filho na calçada enquanto estamos presos no trânsito, sempre há algo bom.

É fácil se perder no negativo, no mau, no feio, ao ponto de deixar que a percepção dessas coisas impeça a percepção do que é bom e também está presente. É fácil condenar e julgar (em geral nesta ordem) a partir de expectativas irreais. Não o fazer é que exige treinamento, exige atenção.

Isso ocorre porque a nossa tendência é à sobrevivência, a achar que somos a cereja do bolo, o centro do universo. Numa sociedade mais rica que qualquer outra da história, em que todos têm acesso ao básico para a perpetuação da existência (comida, abrigo, roupa) e onde até mesmo as dores podem ser mascaradas por analgésicos, contudo, o mecanismo psicológico que foi feito para nos avisar que o leão está entrando na caverna tende a entrar em ação para avisar que a música que está tocando não é a que escolheríamos.

Fica fácil se chatear por bobagem, porque as coisas realmente sérias – fome, guerra, peste – dificilmente nos atingem.

Vale a pena fazer um esforço consciente para evitar o mau hábito de resmungar; para isso, desenvolver uma atitude de busca da beleza e do bem em toda parte é um passo necessário. No princípio é difícil, mas aos poucos isso se torna mais fácil, mais arraigado. E nós nos tornamos pessoas mais felizes.

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