Hoje celebramos a festa daquela que jamais foi derrotada pela morte. Como seu filho, Maria não procurou fugir à condição humana, não pediu a Deus descontos, privilégios, milagres. Mais que cada santo, soube olhar com os olhos de Deus a realidade deste mundo e soube transformar cada situação de morte em uma oportunidade de crescimento e de amadurecimento no amor, até o dia em que foi transferida para o mundo novo no qual seu filho entrou em primeiro lugar. A morte nos alcança somente no termo de nossos dias sobre a terra, é uma experiência que nos acompanha a todo momento. A doença, a dor, a desilusão, a solidão, o abandono, a insuficiência física são situações que impedem de viver em plenitude, são formas de morte.

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A mulher traída, a mãe que possui um filho dependente de droga, a garota seduzida e abandonada não podem estar dizendo: "Tenho a morte no coração"? A vida de cada um de nós é assinalada por sepulturas: a família que se desagrega, a ruptura das relações interpessoais, a incapacidade de construir um afeto, o rancor, o desejo de vingança, que não nos permitem manter a paz, são formas de morte. Diante dessas forças negativas, que nos impedem de viver, sentimo-nos impotentes.

Invocamos o Senhor, pedimos-lhe que intervenha para pôr termo a toda forma de morte. Perguntamos-lhe: por que nos colocastes num mundo de morte? Por que não nos liberta? O seu inexplicável silêncio nos desconcerta e submete a difícil prova de nossa fé. Deus não muda miraculosamente a realidade de morte deste mundo porque não o pode fazer. Ou melhor, poderia fazê-lo, mas somente sob a condição de reconhecer que errou ao criar o nosso mundo, sob a condição de arrepender-se do erro cometido. Só depois poderia dar início a um novo mundo, diferente, novo, perfeito, que, porém, não seria mais o nosso mundo. Nós, como os nossos limites, mas também com a nossa capacidade de crescer e de amar, não existiríamos mais. Amar a Deus significa aceitar com serenidade essa realidade, essa condição humana.

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Significa crer no seu projeto, confiar-se a Ele. É neste mundo que estão presentes sementes de vida e germes de morte que somos convocados a levar à maturação. Deus está pintando sua obra-prima, e Ele a vê já realizada: é o mundo remido que, no fim dos tempos, Cristo entregará ao Pai. Nós, atualmente, contemplamos essa obra-prima só com os olhos da fé. Se entrarmos no ateliê de um artista, não veremos mais do que manchas, borrões, traços confusos, sentimo-nos mal com os odores de tintas, vernizes, resinas. Somos tomados quase que por uma espécie de desprazer e de fastio, e sentimo-nos tentados a ir-nos embora desiludidos.

O pintor não se espanta com a nossa reação; entende-nos, porque nós não vemos o que ele já vê: o projeto completo. Também no momento das tribulações, o semblante dos santos é sempre iluminado pela alegria porque cultivaram a confiança plena na habilidade do artista, Deus, que está levando à realização o seu sonho. Não se espantaram diante de nenhum sinal de morte. Compreenderam que também os acontecimentos tristes não são um castigo, mas sim uma bênção. São Francisco de Assis falava da "irmã morte". Para ele, nenhuma morte era uma derrota, e o dia da saída deste mundo marcava a libertação de todas as formas de morte, de todos os limites. Marcava a entrada no mundo novo.

Cristo não eliminou a morte biológica: o organismo do homem, como o de cada ser vivo, se corrompe e acaba por consumar-se. Cristo venceu a morte, não porque encontrou uma forma miraculosa de não nos deixar sair deste mundo e, quando estamos para morrer, nos faz retroceder. Isto não seria uma vitória sobre a morte, mas uma forma de manter-se no mundo em que se é constrangido a conviver com os germes da morte. Cristo venceu a morte porque, no termo da nossa "gestação", nos faz nascer, nos introduz no mundo de Deus onde existe somente a vida. Ele percorreu por primeiro este caminho. Com ele e como ele, sua Mãe, Maria, cumpriu essa mesma passagem.

Dom Moacyr José Vitti CSS é arcebispo metropolitano.