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Há duas semanas eu corria no Horto Florestal de São Paulo quando vi longe um grupo de pessoas ao redor de um fulano com um galho na mão, mexendo em algo no chão. Enquanto me aproximava da cena, já ia preparando meu discurso professoral: "Deixa o bicho em paz, você gostaria que fizessem isso com você?", quando a pessoa tirou uma cobra da rua e a colocou em segurança no mato ao lado. Bati palmas e segui meu trôpego exercício, lembrando uma excursão de alunos de Engenharia Florestal para o Pantanal. O ônibus parou quando encontraram o primeiro jacaré, todos desceram e o bichão ficou parado também meio longe. Aí um estudante teve a brilhante ideia de atirar uma pedra para ver o jacaré se mexer. Resultado: em segundos o bicho estava debaixo de uma chuva de pedras atiradas por futuros engenheiros florestais.

Vinte e seis anos separam esses dois eventos.

Todos temos uma simpatia intrínseca pelo que é vivo. Erich Fromm chamou isso de biofilia. Então por que crianças queimam formigas com lupas e arrancam pernas de aranhas? O elenco de sensações das crianças é ainda um tanto tosco. Para elas é fácil confundir surpresa com medo ou nojo. Algumas, aliás, não evoluirão nunca. O idoso com aversão generalizada ao que é novo é filho da criança que mistura surpresa com medo. Ambos são casos difíceis para trazer para uma relação mais positiva com o ambiente, mas os dois eventos, separados por décadas, ilustram que a mudança é possível e real, ainda que demorada.

E mais do que isso, a mudança depende de amadurecimento próprio. Misturar surpresa com medo me faz lembrar de um estudo que mostrava que alguns obesos confundem sede com fome e desandam a comer quando deveriam estar bebendo água. A confusão termina complicando a própria pessoa. Confundir surpresa com medo não é só um problema para o bicho que vai ser morto, mas para a pessoa que não age em sintonia com o seu entorno.

Nesta semana, a neurocientista Suzanna Herculano-Houzel disse que parou de chinelar baratas quando aprendeu quão maravilhosa é sua anatomia interna. Meu viés sendo um pouco diferente, não consigo ver baratas como nada além de cópias biológicas – baratas– de uma espécie sem função ecológica, e por isso as chinelo não somente sem dó, mas também até com um certo senso de dever cumprido de macho caçador da casa.

Quando faço isso, estou pensando nos micróbios trazidos pelas patinhas delas? Claro que não! Estou dando vazão ao susto de ver uma coisa grande se mexendo perto de mim sem aviso. É um atavismo dos mais básicos. Meus gens programados para repelir parasitas potenciais me fazem agir antes de qualquer pensamento razoável. Quero crer que seria diferente se, como ela, eu estivesse em algum lugar com animais mais interessantes, como aranhas ou besouros variados ao redor.

Já temos algo para comemorar em 2012. Neste ano, um cidadão, tomado ao acaso, demonstrou mais sensibilidade com um animal que alguns estudantes de engenharia florestal de três décadas atrás. Não é pouco.

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