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Já percebeu que quando a gente está com algo na cabeça, parece que tudo tem a ver com aquilo? No intervalo de alguns dias tive oportunidade de experimentar o procedimento para obtenção de vistos no Consulado dos EUA, o que me tomou R$ 300 e cinco horas de fila, para receber meu visto sabe-se lá quando. Experi­­mentei também a inspeção veicular paulistana com horário marcado, de onde saí em dez minutos com o problema resolvido. Conclusão: os EUA são uma bagunça e o Brasil organizado?

Também durante a semana me chegou um e-mail sobre o sucesso de negros como Obama, Serena Williams e Oprah Win­­frey. Conclusão: negros são bem- sucedidos e as cotas são uma injustiça?

Uma nevasca terrível atingiu os EUA neste inverno. Conclusão: aquecimento global é bobagem. Um obscuro senador norte-americano até construiu um iglu em homenagem a Al Gore.

A sabedoria popular repete que uma andorinha não faz verão, mas não temos prestado a necessária atenção ao ditado. Quando juntamos um monte de eventos e tiramos uma média, o resultado só tem valor se eles forem parecidos. Se você juntar um xeque árabe com dois milhões de tuaregues miseráveis, a média é um cidadão assalariado classe média. O único problema é que não há assalariados ali. O resultado foi obtido por legítimo procedimento matemático, mas não existe.

Entender a natureza é uma brincadeira maravilhosa e interminável (e eu ganho para fazer isso!), mas exige que você saiba o que é uma média com variância alta. Há alguns anos, publiquei que os primeiros 35 metros da borda de uma floresta são tomados por uma vegetação mais pobre que o interior. Essa não foi uma média tão ruim quanto a do xeque árabe, mas tem alguns dados bem maiores e outros bem menores, que exigiram repetir o trabalho em muitos lugares diferentes para melhorar sua confiabilidade.

Mas de quantas andorinhas se precisa para fazer um verão? Ou seja, quantas vezes você precisa observar algo para saber que não está diante de uma exceção? Há métodos rigorosos para fazer isso, mas resumindo, a questão é qual a importância de cada medida. Se o motorista de táxi foi a única pessoa que você conheceu em um lugar, então é bem perigoso falar qualquer coisa sobre esse lugar, porque esse motorista é a base de todo seu conhecimento. Conforme você vai conhecendo um lugar, cada observação individual vai contando menos.

O conselho da água mole em pedra dura é bem útil aqui. Em um tempo em que tudo é rápido e mal feito, aquelas pessoas que se dão ao trabalho de olhar para qualquer coisa com um pouco mais de atenção se sobressaem. Mais do que uma receita de sucesso, essa é também uma receita de diversão. Ele não acontece, e tampouco faz sentido sem ela.

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