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 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Dentre as várias obras de Paulo Mercadante, a mais famosa é A Consciência Conservadora no Brasil, de 1965. Nela, demonstra que nossas elites não são apenas pragmáticas, mas vivem de arranjos oportunistas tão imediatistas que acomodam qualquer coisa, ainda que contraditórias, escandalosamente contraditórias, como, por exemplo, ter conseguido conciliar escravatura com liberalismo econômico.

É essa capacidade de adaptação e conciliação nas mais variadas circunstâncias a própria “consciência conservadora” das nossas elites. Não vai além disso e, por isso, tudo é sempre provisório e quase nada aprendemos com os erros passados, porque só o que interessa é preservar o presente, resolver a crise da hora. Soa familiar? Pois é.

Brincamos dizendo que o Brasil não é para amadores, e não é mesmo. Tente encontrar coerência entre programas partidários e seus representantes políticos, por exemplo, e tudo que encontrará é arranjo do que não se arranja. E nem me refiro ao óbvio PMDB, mas até a quem parece ter identidade ideológica clara, como o PSol. Afinal, tentar conciliar socialismo e liberdade é típico da nossa consciência conservadora de conciliar o inconciliável.

O poder de Lula, enquanto líder articulador, é quase nenhum mais

Mas Mercadante foi muito além disso, descobrindo também a “chave” para a compreensão de nossa história capaz de transcender o mais imediato. Está no seu fabuloso A Coerência das Incertezas – Símbolos e mitos na fenomenologia histórica luso-brasileira, de 2001. É nessa esfera simbólica e mitológica que encontramos uma regularidade espantosa na recorrência de certos símbolos e embalar valores e crenças em possibilidades de ação.

Para se materializarem, contudo, é preciso surgir um “líder articulador” que, ao encarnar em si alguns desses símbolos, se transforma ele próprio em símbolo, em mito. É o caso de Lula. Embora cada vez mais enrolado na Lava Jato, tanto aliados quanto opositores creem no mito de que ele seria capaz de mobilizar a população por ter uma força simbólica que lhe tornaria “imune” à força dos fatos. “Deixem Lula disputar eleições e ele vencerá”, é o que muitos acreditam, especialmente seus adversários e inimigos. Mas será? Qual a capacidade real de Lula mobilizar o povo, de articulá-lo, neste momento atual?

No seu depoimento ao juiz Sergio Moro, aqui em Curitiba, veio a resposta. Seu poder, enquanto líder articulador, é quase nenhum mais. Temia-se uma invasão popular em Curitiba para apoiá-lo. Não conseguiu mais que 5 mil pessoas, todas claramente vindas de fora, arregimentadas nos nichos sindicalistas de sempre. Se comparado com a força policial preparada para o dia, foi quase marcação individual. Salvo engano – cito de cabeça –, foram 3 mil policiais utilizados, o que se demonstrou um exagero imenso.

Na semana passada, outra prova de que os símbolos da esquerda, não apenas Lula, perderam sua capacidade de articulação com a população: com o escândalo Temer, quem saiu às ruas? Os mesmos grupos de sempre que apoiam Lula, com pouquíssima participação popular. Significa que a população apoia Temer? Nem de longe. Mas tampouco tem se deixado mobilizar por “movimentos sociais”, “estudantis”, “sindicais”. Agora, são outros símbolos a pairar no ar à espera de um novo líder articulador.

Daí porque o que parece uma sacada “genial” de pedir “diretas já”, porque assim Lula ganharia fácil, talvez se revele nada além da bala de prata a enterrar de vez quem um dia foi um líder articulador e hoje apenas articula para fugir da cadeia.

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