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Na semana passada, ao cotejar as duas Coreias para mostrar que, pari passu com a consolidação da democracia, na Coreia do Sul ocorreu desenvolvimento econômico e que a do Norte, ditatorial, acentuou a militarização e a pobreza, afirmei que esse exemplo perfeito a favor da democracia tropeçava na China, cuja economia está em intenso crescimento e o regime político é quase tirânico. Assim, resposta singela à indagação título não tem cabimento, sendo necessário desenvolver argumentação para alcançar afirmação positiva.

Há três modalidades de decisão política: legislativa, judicial e executiva. A decisão legislativa típica visa o futuro e não está susceptível à premência do tempo. O incremento informacional e os debates podem se alongar por anos, sem que haja perda de substância do thema decidendum. Não é possível, no presente, afirmar peremptoriamente que a lei deve vir amanhã ou no ano que vem para ser mais adequada. A decisão judicial típica visa ao passado e, similarmente à de natureza legislativa, não está sujeita à premência temporal; tendo em conta que o passado não muda, a reconstrução dos fatos, um homicídio por exemplo, deve ser feita sem angústia com o passar dos dias, meses. Obviamente, não me refiro à morosidade resultante de desídia; estou tratando abstratamente das características de cada modalidade decisória e, certamente, gastar alguns meses para produzir prova segura que absolva ou condene sem margem a dúvida é bom uso do tempo. A decisão executiva é completamente diferente; os seus verbos se dão no gerúndio, quando as coisas estão acontecendo e se tem em vista o futuro. O tempo expendido para decidir é relevante, porque os fatos estão em movimento.

A autoridade judicial, ao decidir assentada na comprovação cabal de fatos pretéritos, não toma em consideração as consequências sociais de sua decisão. Havendo certeza que Fulano causou dano a Beltrano, determina-se a indenização e ponto final. A decisão legislativa e a executiva diferem da judicial quanto à consideração dos efeitos futuros porque a autoridade decisora (legislativa ou executiva) pouco se apoia na certeza sobre fatos e muito na opinião que os destinatários têm sobre a qualidade da decisão.

Na democracia a posição de autoridade depende inteiramente da opinião dos destinatários da decisão. A autoridade, principalmente a executiva, reluta, pensa duas vezes, computa os efeitos da decisão e demora fa­­zendo esforço para incremento informacional, causando a sensação de tibieza. Francisco Cam­­pos, o ideólogo do Estado Novo, verberava contra a feminilidade forense da democracia e fazia apologia do caudilho hipnotizando as massas. Nas ditaduras a opinião dos destinatários da decisão é menos relevante ou até insignificante; a decisão é célere e se tem a impressão de firmeza viril, tanto que não há mulheres como chefes de ditaduras. Fácil perceber que a chance de erro aumenta quando diminui o tempo para decidir e a quantidade de informações computadas.

Nas democracias, com as formalidades que consomem tempo para a tomada de decisões executivas e a participação da opinião de milhões de pessoas, as decisões tendem a acertos que, acumulados, geram prosperidade. As ditaduras respondem mais rápido às demandas imediatas, mas acumulam passivo de erros que fazem a casa desandar. O Brasil é exemplo perfeito de ditadura com crescimento econômico seguido de estagflação.

Ao senso comum a busca por informações, os debates são pura perda de tempo. Contudo, o mesmo senso diz que duas cabeças pensam melhor que uma. A democracia é, entre outras coisas, método decisório que reconhece a falibilidade humana e aumenta a diversidade de pensamento para obter melhor qualidade das decisões. O acúmulo de erros das ditaduras leva a tensões que explodem em violência. Os erros, nas democracias, são responsabilidade coletiva e as correções são feitas sem as agruras das explosões sociais.

Desistir da consolidação da democracia é voltar às sendas da pobreza.

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