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Ilustre desconhecida dos curitibanos, cuja abóbada chumbo azul raramente dá espaço para um sol tépido, a lua na­­vega sobre a bruma que escorre da Serra do Mar e não reluz no fir­­mamento horas suficientes para pungir corações enamorados, poéticos, tristes, meditativos. Aqui, nunca se contaria o tem­­po pelo ciclo lunar. Lagar­­teamos em qualquer nesga de sol e aí termina a curitibanidade que da Lua quase nada vê. Con­­tudo, a relação débil com Selene é exceção; toda poesia, dramatur­gia, ficção, imaginação do mundo dá à Lua a condição de rainha no reinado do Sol, de yang para yin, de feminilidade com seu ciclo de quatro semanas ante o ardor contínuo do sol. Muitos povos têm a lua como símbolo e as cimitarras guardam o desenho gracioso do arco crescente.

O disco prateado, no qual a imaginação de Verne pôs selenitas a mirar a Terra, é deserto imenso, glabro, poeirento, hostil a bailarinos, adequado a militares. Disso se sabe, disso se olvida; a potência poética das noites claras é mais forte que toda ciência, naves, telescópios, radares. Quan­­do o luar do sertão invade os olhos, a mágica poderosa su­­prime toda racionalidade e iguala humanos a outros animais, entregues à sensação de deslumbramento, êxtase diante da beleza fria que faz da noite dia em preto e branco.

No Oeste bravio do Paraná, nos anos 60, não havia televisão. Ouvia-se rádio em aparelhos à pilha ou conectados nu­­ma bateria de automóvel. Na sala de jantar havia um lampião chique, cuja base e reservatório de querosene assemelhavam-se a um vaso de cristal. Ali, naquela civilização pio­­neira, ninguém viu em primeira mão. Eu vi em Adaman­­tina, oeste de São Paulo, no dia 20 de julho de 1969, na casa dos tios Oscar e Emília, a che­­ga­­da do homem à Lua. Ao vi­­vo, de madrugada, em preto e branco. Piazito sonolento diante de imagens quase ininteligíveis: uma mancha branca se movendo em contraste com um fundo escuro. Passo pequeno para um homem; grande para a humanidade e fragmento de me­­mó­­ria para milhões de pessoas.

Hoje faz 40 anos que dois homens pisaram na lua pela primeira vez. Isso foi relevante? Pa­­ra quem fizer a leitura desse texto via internet a resposta ne­­ga­­tiva é impossível; pa­­ra quem es­­ti­­ver len­­­­do no papel e desejar publicar uma resposta negativa, só resta o caminho da missiva, do envelope e a postagem nos Cor­­reios. O hiato tecnológico entre os povos diminuiu sensivelmente como fruto dos conhecimentos e habilidades que foram concatenados para viabilizar a grande viagem. Depois dela, os aparelhos eletrônicos foram se disseminando em escala demográfica, até a explosão do telefone celular, cujo uso se tornou corriqueiro para bilhões de pessoas em uma década.

Os cérebros eletrônicos dos anos 60 se tornaram os computadores pessoais que vendem como pão quente nos mercados. A democratização da tecnologia, a difusão do conhecimento científico, são benefícios visíveis dos es­­forços para alcançar a Lua. No conjunto das atividades espaciais, os povos que dominaram o ciclo completo e se tornaram capazes de empreender viagens, cooperam hoje na manutenção da estação espacial, um gigantesco laboratório em órbita. Pena que nessa jornada os brasileiros são pouco mais que turistas curio­­sos, sem protagonismo algum pa­­ra afirmar a capacidade de gerar benefícios técnicos para a humanidade. Ainda nos digladiamos com problemas políticos que inviabilizam a formação de uma verdadeira base de atividades es­­pa­­ciais em Alcântara no Maranhão.

Para a geração da internet, a navegação é virtual e a aventura fora da Terra parece meio enfadonha; os ônibus espaciais soam como velharias que explodem e as naves russas parecem besouros primitivos. Para os maiores de 40, a Lua, quando roda minguante e meia, ou cheia, é fon­­te de muita emoção, evocando reminiscências de paixões nos muros do Sacre Couer e também o sonho de ser astronauta. Tudo isso, visto pelos olhos atuais, coisa de lunático!

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor da UTP

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