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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O futuro a Deus pertence, dirá alguém sábio por alguns instantes, para logo depois ler o horóscopo, anotar o telefone da cigana que está no cartaz colado ao poste. Ano novo, vida nova, angústias velhas. O artificialismo da mudança de ano entre dezembro e janeiro, sem nenhuma conexão com os solstícios ou equinócios, passa despercebido. É ano novo e pronto, a bílis já começa a queimar o estômago de tanta vontade de saber o que vai acontecer.

Não anunciei dons de vidência, não vesti roupa que remete ao panteão africano, não falei em consultas aos oráculos de Delfos, tarôs, runas, vísceras de aves e outras coisas melequentas. Por isso a consulta é grátis. Então vamos lá.

Em 2016 um artista muito importante vai falecer e será emocionante a despedida. Perto do meio do ano uma pessoa vai chorar ao ganhar prêmio de programa de auditório e o assunto vai ocupar cinco minutos. Um professor norte-americano vai ganhar o prêmio Nobel. Nas eleições municipais no Brasil haverá surpresa com a eleição de uma prefeita jovem e bonita. Um político importante será acusado de corrupção. O WhatsApp poderá ser bloqueado por ordem judicial. Ah, aquele parente que lhe deve dinheiro vai encontrá-lo na macarronada de domingo e você ficará quietinho para não desagradar a vovó.

É ano novo e pronto, a bílis já começa a queimar o estômago de tanta vontade de saber o que vai acontecer

Os chineses vão ganhar dinheiro na África fazendo negócios. Brasileiros perderão dinheiro na África em negociatas. O Brasil ganhará poucas medalhas na Olimpíada. Um turista vai ser assaltado no Rio de Janeiro. Haverá discurso da presidente que as pessoas não compreenderão. Um velho morrerá por excesso de Viagra. Outra coisa: vai chover em Curitiba.

O futuro é óbvio e misterioso ao mesmo tempo. A obviedade decorre da mesmice da condição humana, da repetição das atitudes, da reencenação dos erros, da impossibilidade de dar novo rumo à vida a cada ano. Vamos trilhando o tempo e, quando percebemos, o caminho é cânion com paredes altíssimas e a estrada vai desmoronando atrás de nós: só dá para seguir adiante, sem meia-volta ou volta e meia.

As obrigações econômicas, os laços emocionais, a acomodação, o medo, a preguiça. A força inercial do ontem fazendo o amanhã igual ao hoje. Apenas a pança muda, acompanhando a litragem da cerveja e os quilogramas do churrasco. Os planos de viajar, aprender idiomas, pilotar aviões, viver intensamente, se esvaem nas duas horas de 007. A fantasia dos outros o devolve à realidade. Mais uma adivinhação: você vai gazear a aula de ginástica porque está frio e, noutro dia, por causa do calor.

As sortistas estão forrando a burra nesses dias em que o velho e o novo estão em ambiguidade. Imagino haja filas. Ops, eu não constatei pessoalmente, é só presunção, mas, se alguém tiver indicação de vidente infalível, tô aceitando.

A obviedade paralisa; o mistério move. O previsível mata de tédio. O inesperado, de alegria ou susto. É melhor deixar o futuro a quem ele pertence e viver o tempo que é meu.

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