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 | Ilustração: Gilberto Yamamoto
| Foto: Ilustração: Gilberto Yamamoto

O governo norte-coreano produz vídeos ficcionais nos quais seus foguetes despejam bombas atômicas sobre Nova York e Washington. Num deles, a viagem do míssil tem We Are The World como trilha sonora. Cômico, porque os efeitos visuais são rudimentares; trágico, porque não é brincadeira de comediante patético, mas de um Estado ameaçando outra soberania com explosivos reais nas mãos de quem não está sob controle da opinião pública, Parlamento ou Judiciário. O inferno é o limite para as decisões do "líder supremo", "guia magistral dos povos". Anã lindeira de gigantes como China e Rússia, põe o mundo em perigo.

O regime político da Coreia do Norte é obcecado por ordem. O seu ideal é o formigueiro. As multidões se movimentam em coreografias que lembram a obediência química das formigas. Não há espaço para o dissenso, para não estar ali, para considerar as opiniões do governo como maluquice. Cada um tem seu lugar marcado na hierarquia social e deve cumprir obrigações que o governo lhe impõe sem oferecer resistência. Não há entropia – perda de energia – em debates, votações, discórdias. O führer dá ordens e todos na cadeia hierárquica obedecem com resignação fórmica. Os espartanos invejariam o grau de militarização desse país onde não há nenhuma distinção entre sociedade civil e Estado.

A paz interna da Coreia do Norte é obtida pela opressão absoluta que impede o afloramento da individualidade. Difere da paz espiritual decorrente da entrega a causa moralmente superior, como conota o lema episcopal do papa João XXIII – oboedientia et pax. A paz sepulcral dentro da Coreia do Norte denota o esmagamento das pessoas que são tratadas como engrenagens de máquina de guerra para impor ideologia ao mundo. Pensar é sedição. Se esse modus vivendi se tornar a regra da humanidade, parem o mundo que eu quero descer!

O formigueiro norte-coreano é fonte de desordem no cenário internacional porque tem reatores e bombas nucleares. Antiquados, os reatores podem ser piores que Chernobyl. Japão, Coreia do Sul e China são próximos; no raio do desastre vive 1 bilhão de pessoas. Fukushima causou danos relevantes sem ter explodido. Fácil inferir a magnitude do problema e admitir que a vizinhança tem legitimidade para regular a conduta do vizinho belicoso.

A paranoia do governo norte-coreano, que o torna tirano no ambiente doméstico, ocorre também no internacional, com a mania de grandeza e sensação de estar sob persecução obstinada, como se fosse a última bolacha do pacote. Gigante do passo certo, farol da humanidade e, por isso, vítima de complô dos invejosos. Assim, nunca está sendo agressiva, apenas se defende.

Benjamin Constant, em Princípios de Política Aplicáveis a Todos os Governos, examina a situação de viver em atalaia e tensionar os vizinhos a pretexto de prevenir-se de ataques. Governos arbitrários, diz ele, explicam sua conduta alegando que os outros têm intenções hostis e, se a nação caluniada se intimidar, dirão que estavam certos porque se anteciparam; se ela resistir e se armar, dirão que estavam certos porque tal nação queria a guerra. A rigor, encobre-se a causa com o efeito.

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