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Ao participar de eventos acadêmicos tenho constatado que a maioria dos estudantes deseja prestar concurso público. Futuros bacharéis em Direito, Administra­ção, Economia; também os engenheiros e os da área de Saúde apon­­tam os salários, a segurança do em­­prego público, como atrativos para a decisão de se qualificarem em alto nível. Na Faculdade de Direito da UFPR, numa oficina so­­bre profissões, todos, absolutamente todos, almejavam o concurso. Ao andar por Brasília, há verdadeiro bombardeio de publicidade de cursos preparatórios para concursos: seja oficial da Ae­­ro­­náutica, auditor da Receita, ma­­gistrado, dizem os panfletos. O menu de concursos é rico de op­­ções e as mães sorriem felizes, pois os filhos estão bem encaminhados. O que é bom para os fi­­lhos é bom para o país? O resultado da soma dos interesses particulares é igual ao interesse público?

É muito positivo o esforço de milhões de pessoas que se preparam nas faculdades, devorando apostilas, livros. Forma-se capital in­­telectual que pode ser aplicado para a geração de riqueza. Quan­­do cada pessoa vai à busca do seu su­­cesso pessoal, produzindo riqueza no seu campo de conhecimento – agrícola, indústria, servi­­ços – ocorre simetria entre o interesse individual e o coletivo. A assimetria aparece quando todo esse empenho é posto à execução de projeto que esteriliza as potencialidades do investimento do capital intelectual: o emprego público.

Todas as sociedades modernas precisam de aparato estatal de boa qualidade, composto por pessoas de alto gabarito moral e cultural. O problema surge quando todo esforço de capitalização intelectual é investido em algo estéril, que não gera riqueza: o Estado. Pessoas muito capacitadas vão embora e aplicam o seu patrimônio intelectual em atividades produtivas no Japão, Europa, Estados Unidos. Fogem do circuito de estudar, ficar pronto para gerar riqueza e, pelas contingências culturais e econômicas, acabar atrás de escrivaninha de repartição pública. Reitero, do ponto de vista individual, grande vitória; na perspectiva social, desperdício de potencialidades.

João Fragoso e Manolo Flo­­rentino, historiadores cariocas, sintetizam na expressão "o arcaísmo como projeto" esse contra-senso, essa ideia de fazer projeto (algo no futuro) com todas as tintas de passado, de atraso. Lapidaram a frase ao estudar o modo como a elite econômica na virada do século 18 para o 19 aplicava o capital acumulado na atividade agrícola: comprova imóveis na capital, a cidade do Rio de Janeiro, e se entregava ao ócio dos rentistas, esterilizando o excedente de riqueza que poderia ser investido na geração de novos meios de produção, sobretudo os industriais. O projeto de vida dessas pessoas era enriquecer o suficiente para viver sem produzir. Esse modo de pensar é uma das explicações para o atraso econômico do Brasil.

Feitas as devidas adequações, o pensamento que lastreia as decisões econômicas individuais de ho­­je permanece contaminado por esse arcaísmo que emperra o de­­senvolvimento. A ânsia pelos concursos leva as faculdades a orientar a formação dos estudantes pa­­ra se tornarem "concurseiros" e, com isso, pouco estimulam o conhecimento que qualifica para o empreendedorismo, para a inovação tecnológica, a pesquisa científica.

É muito caro formar capital intelectual; consome-se tempo e dinheiro. Em outras palavras: a educação é um processo que exige muitos anos de esforço do estudante e das centenas de pessoas que o educam. O acúmulo de co­­nhecimento é capital a ser investido de modo a gerar novas riquezas para a sociedade que propiciou a formação desse patrimônio. Esterilizar esse cabedal de potencialidades ao imobilizar essas inteligências nos empregos públicos é esboçar futuro no antanho.

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Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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