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Quando um jovem berlinense da parte ocidental pichou essa oração no muro, não imaginava que a solidez do concreto desmancharia no ar, como areia ao vento. Tal qual fosso que protegia os castelos medievais dos exércitos inimigos ou das hordas famélicas, a queloide da fratura entre capitalismo e comunismo era esteticamente feia e carregada de significados negativos.

Vítimas que sangraram o corpo no muro são centenas. Milhões sangraram na alma. Por que o muro foi construído? Para evitar a fuga de alemães que viviam no lado leste. Mas por que eles queriam fugir do "paraíso" socialista para o inferno capitalista? Eram burgueses recalcitrantes? Empresários renitentes? Careciam da visão solidária e comunal do "novo homem socialista"?

Se fossem poucos, melhor que saíssem logo, para purgar a nova sociedade desses indivíduos divergentes, sem encaixe nos moldes ideológicos hegemônicos. Erigiu-se o muro porque eram milhões. Havia o perigo de vazio demográfico da parte leste. Assim, o éden se tornou uma prisão colossal. Talvez, o maior presídio da história.

Como um governo perde o senso e transforma o país inteiro num calabouço? Sendo germânicos, eram mais realistas que o rei e, quando Moscou determinou o modelo de Estado e governo para a parte leste da Alemanha pós-guerra, os tiranetes locais agiram com mais eficiência e eficácia do que os etílicos das estepes. A Deutsche Demokratische Republik (DDR) foi o apogeu do Estado total, com a mais famosa polícia política da história, a Stasi, que deu realidade à ficção da onipresença e onisciência do Big Brother de Orwell.

Para Steven Pinker, no livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza, não existe cura para as ideologias, especialmente as tóxicas. Quando alguém indica um horizonte a ser alcançado e consegue adeptos suficientemente obtusos para punir ou eliminar quem pensa de modo diferente, é difícil a profilaxia. Contaminados pela tese revolucionária ou reacionária (a quimera está no futuro ou no passado), os militantes passam a ver os divergentes como obstáculos, não como pessoas iguais em dignidade, inteligência, direito de pensar por contra própria e, sobretudo, de não comungar da mesma fé religiosa ou política. A única prevenção, diz ele, é a vacina das sociedades abertas que asseguram a liberdade individual, a diversidade.

O éden marxista teve no muro o último suspiro. Claro, sempre sobram os crentíssimos que, mesmo diante da óbvia falência da sua fé, se tornam mais fervorosos, créus, porque têm vergonha de parecer otários ou, pior, acreditam de verdade no paraíso anunciado e não se importam com os percalços para chegar à redenção. Autocrítica para quem vive o torpor da autoflagelação não existe.

Um quartel de século depois da queda do muro, as monstruosidades foram postas a lume, a pobreza escancarada, bons livros e filmes já se tornaram antigos. O mundo se tornou muito mais complexo do que a divisão bipolar do século 20. Novos reptos postos pela ascensão do fundamentalismo religioso e do deslocamento da economia da América para a Ásia exigem atitudes sem o ranço da simplificação da luta de classes e teses decorrentes.

Aqui, na Tropicália, faremos pontes ou muros?

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