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Dizem que de médico e louco todo mundo tem um pouco. Os curitibanos acrescem a esse rol a condição de meteorologista e nas prosas de bar, ônibus, fila de banco, todos têm doutorado em climatologia. Aqui, de meteorologista e vidente, todo mundo tem um pouco, arriscando-se a fazer análises e predições com a convicção de quem acredita nas próprias palavras. Palavras e expressões técnicas voam das bocas para os ouvidos como se estivessem em colóquio científico. Gradiente térmico, sazonalidade, El Niño y La Niña, circulação atmosférica, integram o vocabulário como se fossem usuais no vernáculo da rua.

Até o início de fevereiro falava-se no verão frio, na chuva sem fim. Gente praguejando contra o tempo, dizendo que iria se mudar para os trópicos. Milagrosamente, não choveu no carnaval e depois vieram dias tórridos, de calorão seco. Pronto, o planeta está derretendo, o clima está mudando. Vaticínios catastróficos e muita reclamação sobre o calor sufocante e afirmações de que o friozinho é muito melhor. Opiniões fortes em discussões com voz em tom imponente para dar autoridade ao discurso dos doutores que deixam a cerveja esquentar enquanto falam do tempo, chuva, estio, calor, frio.

Paulistanos falam das enchentes, da poluição, da inversão térmica que deixa o ar irrespirável. Cariocas comentam sobre a ressaca e os avanços do mar que invade a orla. Florianopolitanos assuntam sobre o vento sul e a água fria na Joaquina esticados nas areias das praias do norte da ilha. Porto-alegrenses transpiram em bicas ou tiritam congelados discutindo a direção do minuano nas cristas da água que ondeia no Guaíba. Contudo, ninguém fala tanto sobre o tempo quanto o curitibano, com misto de irritação e de vaidade porque frio é coisa de lugar chique, civilizado. Calor de desfigurar a face é coisa do outro Brasil, aquele que fica perto da linha do equador.

Cachecóis, gorros, luvas mofam nas gavetas à espera dos dias de glória quando comporão a pose de quem vê os dias frios e cinzentos como oportunidade para provar que é elegante como parisiense num bistrô. Para dar arzinho de superioridade sobre os demais brasileiros que estão de bermuda, camiseta, chinelo e pele gosmenta de suor, o curitibano reclama da geada, neblina, aeroporto fechado. Reclama do frio para fazer charme e do calor para dizer que não está acostumado com essa tropicalidade.

Agora com o outono, os doutores do clima, formados na escola empírica, exararão pareceres de sapiência absoluta sobre madrugadas frias e tardes quentes. Espirros, coriza, tosse em orquestra cacofônica farão a trilha sonora dessas variações de temperatura tão comentadas na cidade. Os forasteiros ouvem essas lições sobre a cidade que tem as quatro estações num só dia e ficam na dúvida se portam guarda-chuva, casaco, quiçá, galochas e echarpes. Súbito, para abalar a fleuma curitibana, faz calor brasileiro, daqueles que exigem desodorante, e a prosa sobre esse tempo estranho tem motivo para novas divagações e explicações.

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