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Faz alguns dias o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, discursando em evento nacional dos advogados, disse que a reforma política é inadiável porque não se deve conviver com sistema que, pelas formas de financiamento das eleições, gera corrupção estrutural.

É interessante esmiuçar esse pensamento porque ele não diz que a corrupção é coisa dos homens, é das instituições. A direção apontada pelo ministro é aprimorar as leis que edificam o país, sem cair no discurso de reformar as pessoas. Tanto melhor. Os gulags e assemelhados foram reformatórios de indivíduos para que se amoldassem às instituições. A dissidência tratada como doença, não como direito.

Desde a antiguidade ecoa sem resposta a indagação: melhor ser governado por leis ou por pessoas? Leis boas e gente ruim; gente boa e leis ruins; leis ruins e gente ruim; leis boas e gente boa. Releva lembrar que no paraíso (onde só há gente ótima) prescinde-se de normas. Elas são artifício para mitigar a imperfeição humana. Portanto, o melhor que se alcança é a combinação de leis razoáveis e gente razoável. É com isso que se deve contar.

Pois bem. As leis de má qualidade geram corrupção estrutural? No longo prazo, penso que sim e faço uso do raciocínio darwinista da seleção natural para desenvolver a argumentação e demonstrar que o ministro Cardozo não foi até onde mora o problema da corrupção estrutural.

Antes da atual Constituição, havia corrupção no uso do dinheiro público, mas o fenômeno se tornou mais intenso pós-1988. Especialmente o custo das campanhas eleitorais disparou, a exemplo das duas principais à Presidência da República, que, juntas, montaram quase R$ 1 bilhão. Por que a campanha para cargos legislativos se tornou tão cara e os deputados e senadores atuais, salvo uma ou outra exceção, nem de longe ombreiam com Ulysses Guimarães, Carlos Lacerda, Bento Munhoz, Roberto Campos, Franco Montoro, Marco Maciel? Por que a investidura de cargo parlamentar foi de sacerdócio a negócio?

A causa de fundo é o texto analítico, extenso, da Constituição Federal que dificulta a governabilidade. À época da Constituinte, a esquerda desejava amarrar o governo porque nem sonhava chegar a ele. Ao governar, se viu enredada na própria trama e as minúcias constitucionais se mostraram empeço ao exercício da rotina de governo.

Para mudar as normas comezinhas alçadas a texto constitucional é preciso ter voto firme de 60% do Congresso Nacional. Ao fechar alianças sem visgo ideológico, o dinheiro se torna a cola que liga, mal e mal, facções muito diferentes. A prevalência do dinheiro em detrimento da política, como razão de ser da atividade parlamentar, afasta pessoas que têm restrições morais a mercantilizar o poder que recebem do povo.

As leis vigentes incitam à maldade. Assim, a seleção darwiniana vai afastando os escrupulosos e ensejando um vale-tudo entre quem tem menos freios morais para lidar com as coisas públicas. Por isso, a reforma política proposta pelo ministro da Justiça equivale a dar pintura nova a carro enferrujado. Sem corrigir a causa corruptiva, a podridão logo reaparece.

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