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O Fusca 68 do meu pai tinha 45 cavalos de força. A imaginação infantil visualizava os animais em parelhas à frente do carro, com arreios, bufando para tirá-lo do atoleiro. Nas muitas ocasiões em que a tampa do motor era aberta para lixar o platinado, ajustar o ponto, apertar a correia, me emocionava o engenho que havia posto tanta potência numa caixinha metálica barulhenta.

Queimava de curiosidade para entender qual a força de um cavalo e como estabelecer a média entre os fracos e os fortes. Tempos sem Google exigiam acesso à Barsa, Delta-Larousse, Mecânica Popular, para encontrar informação. Só me lembro que o horse-power e cheval-vapeur (hp e cv) dão valores distintos porque um é calcado nas medidas imperiais e outro, no métrico decimal. Birra dos britânicos que perderam essa para os franceses. Para simplificar, fixei a ideia de um cavalo levantando uma pessoa de 75 kg até a altura de um metro. Uau, o motorzinho do Fuque poderia levantar 45 pessoas!

A bateria do Fuque 1300, lançado em 67, era de 12 volts. A do 1200, do tio Rudi, e a Kombi do tio Arnaldo eram de 6 volts. As luzes pareciam velas atiçadas pela aceleração e quase apagadas na marcha lenta. Qualquer que fosse a voltagem, de vez em quando era necessário colocar água nas células da bateria. Havia um ritual de segurança para que gotas de ácido não saltassem no momento da abertura de cada uma das tampas de rosca. O berço da bateria sempre enferrujava por causa dessa acidez.

Os faróis alumiavam as estradas de terra do sertão do Paraná enquanto as margens ficavam no breu absoluto. O trilho claro da passagem dos automóveis se destacava da cor do centro e das bordas da pista, mais escuras. Ermos, os 50 quilômetros de Assis Chateaubriand a Nova Sarandi consumiam uma hora – se tudo fosse muito bem. Sem celular, guincho, socorro mecânico, Polícia Rodoviária. A solidão boa e a ruim eram totais.

Atropelar um tatu estava no rol ordinário de possibilidades. Se a colisão fosse com uma anta, as coisas complicavam. As avarias poderiam obrigar a pernoitar na estrada. Um 38 compunha os itens do porta-luvas para essas ocasiões. Onças e ladrões eram personagens constantes das histórias sobre as estradas.

O Marcelo Nova viu futuro melhor no painel do Simca Chambord. De minha parte, não sei se percebi algo na singeleza do Fuque. A máquina me encantava o suficiente para que meu mundo não fosse além daquele momento mágico. Talvez retrospectivamente pudesse atribuir nuance política ou filosófica a essas reminiscências de quem não foi piá de prédio.

Excursionei pelo passado enquanto o Caderno Automóvel da Gazeta de domingo permanecia aberto sobre a mesa. Os carrões exibidos no Salão de São Paulo, com cores berrantes, interiores luxuosos, 300 cavalos, conexão com a internet, propulsão híbrida, dão tom ficcional ao Fuque, como se fosse apenas diversão de gente antenada que gosta de estar a bordo de peça de museu.

Na dúvida entre a saudade da precariedade do Volks Sedan ou do alívio pela superação daquilo, leio sobre a nova Ferrari FXX K, de mais de mil cv, que já vendeu todas as unidades antes de serem fabricadas. Delírios dominicais.

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