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"Você se faz de americano" – em tradução livre – é o título de uma música alegre, balançada, composta por Renato Carosone e Nicola Salemo nos anos 50, para ironizar o mimetismo em relação aos americanos da base militar em Nápoles. O personagem arquetípico da narrativa usa calça com brasão atrás, boné com viseira levantada, bebe uísque e refrigerante, baila rock n’roll, joga beisebol. Ao namorar sob o luar, fala I love you. Difícil entender o que ele diz, porque fala de um jeito meio americano. Na música, esse italiano aculturado é apupado porque compra cigarros Camel com dinheiro da bolsa da mamãe.

Atualizando, basta mudar os adereços do bobalhão que se faz de americano, porque a imitação continua a mesma, acrescentando as palavras adaptadas ou copiadas diretamente do inglês.

Ao percorrer os anúncios de vendas de 28 de novembro, dia da tal Black Friday, percebi a graça do deboche musical. "Sexta-feira negra" soa estranha, parecendo coisa ruim, como ocasião de despacho maldoso em encruzilhada. Saravá! Não pretendo saber a razão desse nome feio, o fato é que em português soa mal, e as expressões como queima total, liquidação, bota-fora, ponta de estoque são mais comunicativas. Mas não, os miquinhos balbuciam Black Friday como se fosse típico do seu dialeto. Outlet, shopping center? Dize-me o que falas e te direi quem és!

Fico com vontade de pronunciar "blaque fridai" e "fifitipercentofe". Off é de matar. Grunhido, uma não palavra. Como pode substituir desconto, silábica, sonora, significativa? Qual a razão para dizer hall em vez de átrio? Tablete, tabuleta, prancheta. Sim, houve época em que se usava prancheta de madeira com prendedor metálico para os papéis de anotação na parte superior. Hoje, as pranchetas são eletrônicas.

Na língua espanhola há tradução obrigatória e o sistema operacional Windows se torna Ventanas; o mouse, ratón. Soam estranhas as traduções. Contudo, em contrapartida, para o hispanófono não há rede wireless e sim inalámbrica. Literalmente, sem fio, bastando pensar num alambrado e perceber que a palavra integra o nosso léxico, além de ser linda.

A submissão tecnológica não precisa ser acompanhada de subserviência cultural. A conduta subserviente leva a reverenciar o modus essendi estrangeiro, como se fa l’americano fosse elegante e não breguice de dar dó.

Tudo bem, os idiomas são vasos comunicantes. Quiçá em mil anos haja apenas um resultante da mistura de árabe, chinês, espanhol e inglês. Pode ser. Porém o português ainda existe e nós somos os portadores desse produto cultural sofisticado, nascido da necessidade de dotar o nascente reino de Portugal de vocabulário suficiente para a burocracia estatal.

Do Vaticano vieram clérigos, versados em latim e grego, que assumiram os cargos públicos. A língua falada pelo povo, mistura de latim popular com idiomas germânicos, recebeu aporte luxuoso e se refinou, prescindindo de metáforas e redundâncias, seja para colóquio ou adlóquio.

A língua nativa tem acervo para suprir as inovações da sobrevivência e da convivência. Os nativos, por não a conhecerem, a depreciam e se entregam à aculturação servil. OK, baby?

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