Há 45 anos, Raymond Aron tornou-se o mais solitário pensador do mundo ao qualificar os protestos na França em maio de 1968 como "psicodrama" da coletividade. Foi hostilizado pela maioria da intelectualidade esquerdista. Jean-Paul Sartre chegou a declarar que Aron era "indigno de ser professor" e deveria ficar nu diante de todos (durante a Revolução Cultural, os comunistas chineses aplicavam ao pé da letra esse expediente de humilhação pública).

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No Brasil, Nelson Rodrigues foi vítima de fúria semelhante. Em várias crônicas, criticou as passeatas estudantis e apontou o absurdo do slogan "É proibido proibir", entoado por jovens que defendiam Mao Tsé-tung, Fidel Castro e Che Guevara, especialistas em proibições mortais. A essa lista também pertence o cambojano Pol Pot, que estudara em Paris nos anos 50 e mostrou na prática os resultados da "imaginação no poder": 1 milhão de mortos em alguns meses.

Hoje sabemos que Aron e Nelson estavam certos. Eles comprovaram a máxima de Ibsen: "O homem mais forte é o mais só". Muito mais do que aderir à multidão, o verdadeiro ato de resistência consiste em dizer que ela está errada. Movimentos de massa só têm razão de ser quando apresentam uma causa nobre e objetiva (como, por exemplo, derrubar um governo ditatorial ou corrupto, desde que não seja para colocar outro no lugar). Quando as rebeliões da massa alardeiam mil exigências simultâneas e contraditórias, tornam-se receitas para o caos. E o caos só termina de duas formas: em ridículo ou em ditadura.

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O que vimos no Brasil durante a semana passada pode ser resumido pelo título do livro de Lobão: Manifesto do Nada na Terra do Nunca. Profético, Lobão! Não por acaso, Nelson Rodrigues assinalava, na fala de um de seus personagens dramáticos: "Só os profetas enxergam o óbvio".

As manifestações brasileiras representam o descaminho de uma sociedade espiritualmente vazia e viciada em Estado. Há 80 anos, Ortega y Gasset já apontava para o perigo da "estatização da vida". Suas palavras também são proféticas: "O homem-massa vê no Estado um poder anônimo e, como se sente um anônimo vulgo, crê que o Estado é coisa sua". Quando surge algum problema, basta invadir um prédio público ou incendiar um ônibus. O Estado resolverá depois.

Nos tempos atuais, a única passeata digna de respeito é a do homem só: aquele que levanta às 6 horas, trabalha o dia inteiro e luta pela sobrevivência da família. Ele é o verdadeiro gigante que acorda todos os dias – e bem cedo. Abençoado seja o homem que, ao ouvir "Vem pra rua!", pensa na vida e vai para casa.

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