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Vim para Londrina há 25 anos, em fevereiro de 1989, e imediatamente ocorreu um estranho fenômeno: passei a sentir saudade de coisas que não haviam acontecido comigo. Um belo domingo eu me peguei pensando com nostalgia na primeira missa celebrada na cidade. Isso só podia ser loucura. Afinal, eu nem sequer acreditava em Deus, como me lembraria de uma missa rezada nos anos 30?

Eu era apenas um garoto de 19 anos incompletos, que veio à cidade para estudar Jornalismo e, se possível, fazer a revolução socialista. Sem a menor explicação, recordava-me de uma longa confissão feita a dom Geraldo Fernandes e, depois, da minha caminhada de volta para casa, no fim da tarde, envolvido por um silêncio tão grande que era possível escutar o coração de Londrina batendo sob a terra bem abaixo dos meus pés. Na confissão, quase todos os pecados referiam-se a belas moradoras da Vila Matos e noites de farra nas boates de má índole. De vez em quando, ainda acordo de madrugada e acho que estou na zona, mesmo tendo conhecido apenas o terminal rodoviário instalado no lugar da extinta Vila Matos.

Às vezes, na República da Rua Humaitá, eu me surpreendia pensando nos velhos tempos da Casa Sete, a república dos funcionários da Companhia de Terras. E sentia na pele o mesmo calor que os pioneiros sentiram na casa de madeira onde foi assinada a criação do município de Londrina, quando tomou posse um prefeito vindo de Curitiba e que ninguém conhecia.

Um dia acordei muito triste. Abri a janela e não vi a pracinha da Rua Humaitá, mas um imenso campo de café destruído pela geada em 17 de julho de 1975. Saí de casa, senti nas mãos a camada de gelo que envolvia os cafezais feito uma imensa mortalha de água e chorei junto com os lavradores que haviam perdido tudo, menos a esperança.

Peguei uma gripe, fui consultar o Dr. Clímaco, que me receitou um remédio infalível: tomar água e jeito na vida. Depois estive na sede do Última Hora com o Délio César, que me levou para ver os primeiros festivais de teatro e música na cidade. Um dia, encontrei Dr. Hosken na Avenida Paraná, e ele me levou para conhecer sua biblioteca e as traduções da Divina Comédia e Dom Quixote em diversas línguas.

Pensei ter visto um moço revolvendo a terra vermelha com a sua enxada; depois vi um senhor mais velho, que criou para si uma réplica em ouro da mesma ferramenta de trabalho; vi as galerias cantando o Hino Nacional após a cassação de Belinati; vi um pôr-de-sol que mais parecia um incêndio na floresta.

Hoje eu me sinto como se estivesse chegando a Londrina agora, neste exato momento. Nesta cidade a gente aprende que saudade não é algo que se sente; é algo que se é.

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