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Morreu dona Cristina, mãe do Silvio. Em meio às inevitáveis reflexões sobre a finitude da vida – mães não deveriam morrer nunca –, chamei um táxi e fui até o velório dar um abraço no meu amigo.

Ao chegar, percebi que muitas pessoas conversavam em linguagem de sinais. Silvio me explicou que a sua mãe era uma ativa colaboradora da Pequena Missão para os Surdos, entidade católica que leva a mensagem do Evangelho para os deficientes auditivos em Londrina. Eles são devotos de Nossa Senhora do Silêncio.

Silvio me contou ainda que a mãe sonhava em construir uma capelinha para a Pequena Missão. A licença para a obra foi concedida exatamente na semana em que dona Cristina morreu. Agora os surdos terão um lugar próprio para conversar com Deus.

Ao ouvir a história da capelinha, eu me lembrei do filme Viver, de Akira Kurosawa. É a história de um funcionário público que descobre estar com um câncer terminal e, antes de morrer, decide construir um parquinho para as crianças de seu bairro. Meu pai adorava esse filme. Quando passo pelo parque infantil próximo à minha casa, penso em Viver, penso em meu pai, penso em Kurosawa – e sei que, um dia, aquele parquinho foi sonhado por alguém.

Que jamais nos esqueçamos da diferença entre o silêncio e o mutismo

Desde que nasci, Nossa Senhora do Silêncio esteve ao meu lado. Ela ouviu as conversas do menino tagarela; acompanhou as revoltas do adolescente cabeludo; testemunhou discursos em assembleias do DCE e bebedeiras nas festas da República da Humaitá. Ela viu todas as minhas angústias e terrores, principalmente na longa noite em que desacreditei em Deus. Nossa Senhora permaneceu sempre em silêncio, a exemplo de São José (que não pronuncia uma só palavra ao longo do Evangelho).

Rogai por nós, Nossa Senhora do Silêncio. Para que usemos a nossa palavra e a nossa voz apenas quando necessário. Para que possamos contemplar o silêncio das madrugadas e o intervalo entre as sinfonias. Que a cada dia nossas inteligências (tão curtas) e corações (tão duros) possam entender o valor do silêncio na existência da música; o valor das pausas na ocorrência da ação; o valor das faltas no milagre da presença. Que a nossa alegria e a nossa dor sejam silenciosas na maior parte do tempo. Que a capela da Pequena Missão e o parquinho perto de casa despertem alegria e amenizem a dor das crianças e dos surdos. Que jamais nos esqueçamos da diferença entre o silêncio e o mutismo. Nossa Senhora, iluminai e inspirai nossa palavra na hora exata. E que as mães, mesmo em silêncio, sempre voltem à vida.

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