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Certa vez perguntaram a Chesterton o que havia de errado no mundo. A resposta do grande escritor católico não poderia ser mais sucinta: "Eu". Aí está a essência do cristianismo: se todos nós tivéssemos a mesma humildade, o mundo seria de fato melhor.

Inspirado pelo exemplo de Chesterton, comecei 2014 mudando uma coisinha que estava errada no mundo. Resolvi voltar para casa de ônibus todos os dias. Na sexta-feira, fui mais uma vez surpreendido pelo espetáculo do pôr do sol londrinense.

Já assisti inúmeras vezes ao poente vermelho; já fiz muitas crônicas e até arrisquei versos sobre o tema; não me canso de dizer a amigos de outras cidades que o pôr do sol daqui é diferente de todos os outros. Mas o fato é que nunca, nunca deixo de me surpreender com esse presente de Deus aos habitantes da Terra Vermelha.

Jamais vou me esquecer dos momentos em que pela primeira vez li os Quatro Quartetos de Eliot, escutei a Arte da Fuga ou contemplei as igrejas de Ouro Preto e Mariana. De certa forma, esses momentos são irrecuperáveis, pois é impossível reproduzi-los exatamente nas mesmas condições subjetivas. Com o pôr do sol de Londrina, porém, a surpresa continua existindo. Parece que é sempre a primeira vez; parece que eu sou aquele menino que chegou aqui há 25 anos. Imagino que a eternidade seja assim também. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus.

Neste poente há alguma coisa de dor muda e sofrimento calado. Há uma espécie de paixão silenciosa, como se as velhas florestas derrubadas insistissem em arder mais uma vez, sem escândalo. Há sarças e perobas no horizonte. Talvez tenha restado uma ferida celestial da geada de 75. Não são os dedos róseos da aurora de Homero; é uma Odisseia sem mar, uma Ilíada sem Troia. Não é rosa; é vermelho cor de sangue. Talvez a minha alma sangre um pouco nessa hora.

Pedro olhou para o poente e perguntou o que era aquilo. A mãe lhe respondeu que era o dia se encontrando com a noite. Uma boa definição, simples e poética. O dia encontra a noite, e nós damos mais um passo, assim na terra como no céu. O dia encontra a noite – e eu rezo por dois meninos, Arthur e Conrado, que lutam para respirar e respiram para lutar.

Neste domingo, meu pai faria 73 anos. Como eu queria que ele estivesse aqui para ver o poente e me aconselhar sobre a vida! Às vezes, olhando para esse céu que sangra, penso, a exemplo de um velho escritor, que aos 43 anos nem sequer me tornei ainda um ser humano. Respiro o ar da noite de Londrina e faço deste ponto o meu poente. Até o próximo.

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