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Deputados e senadores fogem de temas polêmicos porque, seja qual for o seu voto, acabarão se indispondo ou com a maioria dos eleitores ou com influentes grupos de pressão

"Há temas que são perigosos em ano eleitoral", disse recentemente o senador paranaense Alvaro Dias, líder do PSDB na Casa. A afirmação, feita ao jornal O Estado de S.Paulo, se referia à possibilidade de votação da proposta de reforma do Código Penal e, apesar de revelar um vício da política brasileira, esconde um fundo de verdade. Tratar de certos temas em ano eleitoral não é apenas "perigoso" (entre aspas) para o político, mas também pode ser perigoso (sem aspas) para o país.

A afirmação de Dias revela que, assim que tomam posse, os parlamentares estão mais preo­­cupados em garantir sua reeleição ou subir alguns degraus na carreira política que em efetivamente legislar e representar a população que os elegeu. Apenas alguns poucos deputados e senadores, que têm temas polêmicos como aborto ou questões de gênero como plataforma política, não se incomodam em deixar claras suas posições. Os demais fogem de tais assuntos porque, seja qual for o seu voto, acabarão se indispondo ou com a maioria dos eleitores ou com influentes grupos de pressão, ameaçando seu futuro político.

Sem dúvida, tais assuntos merecem ser analisados sem pressa, com toda a prudência necessária; no entanto, basta conferir as datas em que certos projetos são propostos para verificar que a tramitação chega a durar décadas. Nesses casos, é muito difícil acreditar que se trate de análise cuidadosa; o mais provável é que estejamos diante de um caso da mais clara pusilanimidade parlamentar. E, como o Brasil passa por eleições a cada dois anos, a tendência é que os temas polêmicos, "perigosos", sigam no limbo, até porque mesmo em anos não eleitorais os políticos ainda hesitam em levar ao plenário certas propostas, pois nada impede que seu voto seja usado, no ano seguinte, como arma de propaganda por seus adversários.

Os parlamentares se preocupam com o "perigo" que suas carreiras correm ao tomar posições sobre temas polêmicos em ano eleitoral, mas existe também um outro perigo, este real. Em uma época na qual as atenções estão voltadas prioritariamente à disputa por cargos, a sociedade "abaixa a guarda" na fiscalização da atividade de seus deputados e senadores. Cientes disso, parlamentares, especialmente os ligados a certos grupos de pressão ou dedicados a alguma militância específica, podem aproveitar a ocasião para conseguir aprovar leis que se opõem aos anseios da sociedade civil, forçando uma tramitação veloz dos projetos. Um exemplo foi a aprovação, pela comissão especial da Câmara, de um projeto que acaba com o teto salarial dos servidores públicos, enquanto todos os olhares estavam voltados à Rio+20. O texto ainda precisa passar pelo plenário, mas o episódio prova que a frase de Dias se mostra verdadeira, embora não com o sentido original que o senador quis lhe dar.

O Congresso não pode se dar ao luxo de seguir evitando a discussão sobre temas que interessam a toda a sociedade. Parlamentares mais preocupados com cálculos eleitorais que com os rumos da nação não interessam ao país­. Assuntos polêmicos, como dissemos, devem ser analisados com cuidado, sem que isso sirva de desculpa para a omissão de deputados e senadores que não querem se comprometer. Por outro lado, o fato de o país não poder ficar sem resposta a questões importantes não pode justificar tramitações apressadas em Brasília, ainda mais quando a sociedade e a imprensa não estão 100% dedicadas à fiscalização do que ocorre no Congresso. A sabedoria está em separar a prudência da covardia, e a celeridade da má-fé.

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