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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante audiência no Congresso em abril de 2023 para discutir a taxa de juros.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante audiência no Congresso em abril de 2023 para discutir a taxa de juros.| Foto: Lula Marques/Agência Brasil

A divulgação, na terça-feira, da ata da última reunião do Copom, realizada em 20 e 21 de junho, dissipou algumas dúvidas a respeito do tema que mais exasperou o governo quando da divulgação do comunicado, ao fim da reunião: a ausência de referências a um futuro corte nos juros, que haviam sido mantidos em 13,75%. A ata, que amplia a análise feita no comunicado, deixa claro que a maioria dos membros do colegiado trabalha com a possibilidade de iniciar os cortes já na próxima reunião, que ocorre no início de agosto.

Os membros foram unânimes ao considerar que um eventual corte tem como condição a “confiança na trajetória do processo de desinflação”, já que uma redução prematura pode levar a inflação a reagir, forçando uma reversão na política monetária e novas elevações da Selic. A divergência opôs o grupo – majoritário – para o qual o corte nos juros pode começar já em agosto caso os indicadores se mantenham na trajetória atual e os membros que julgam necessário acompanhar os números por um período mais longo para afastar de vez as incertezas sobre a possibilidade de iniciar o afrouxamento monetário. A favor desta tese, por exemplo, pesam as constatações de que “os núcleos de inflação, que respondem mais à demanda agregada e à política de juros, se reduzem em menor velocidade” e de que o segundo semestre deve ser marcado por “uma maior inflação acumulada em 12 meses, como consequência da exclusão, nesse indicador, do efeito das medidas tributárias que reduziram o nível de preços no terceiro trimestre de 2022 e da manutenção dos efeitos das medidas tributárias deste ano”.

O governo enxergou na ata do Copom uma aprovação da política que vem desenvolvendo. A ata, no entanto, é muito mais uma exortação que um endosso

Para além das análises, que dão ao governo, a seus aliados na gritaria contra a Selic alta e ao setor produtivo as respostas que Lula adora exigir de Roberto Campos Neto, os trechos mais relevantes da ata são aqueles que descrevem as condições necessárias para alimentar tanto o processo de “desinflação” quanto a chamada “ancoragem das expectativas” em relação à inflação futura. E esses trechos mostram claramente que a responsabilidade é dos poderes Executivo e Legislativo. “Decisões que induzam à reancoragem das expectativas e que elevem a confiança nas metas de inflação contribuiriam para um processo desinflacionário mais célere e menos custoso, permitindo flexibilização monetária”, afirmam os membros do Copom.

Mereceram menção especial “a apresentação e a tramitação do arcabouço fiscal”, que “reduziram substancialmente a incerteza em torno do risco fiscal”, segundo a ata. No entanto, “permanecem desafios para o cumprimento das metas estipuladas para o resultado primário”, e o comitê fez questão de reafirmar que “não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal, uma vez que a trajetória de inflação segue condicional à reação das expectativas de inflação e das condições financeiras”. É preciso lembrar que a reunião do Copom terminou poucas horas antes que o plenário do Senado aprovasse uma versão do arcabouço que afrouxou ainda mais a âncora fiscal, aumentando as preocupações sobre as reais chances de os resultados primários previstos serem obtidos e de a dívida pública interromper sua trajetória de elevação.

Embora não tivesse sido mencionada nem no comunicado nem na ata, a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) – formado por Campos Neto e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet – marcada para esta quinta-feira trazia um componente adicional de incerteza, já que o governo, por ter maioria garantida no CMN, poderia forçar uma alteração nas metas de inflação. O presidente Lula defendera essa mudança no início do mandato, argumentando que, com uma meta maior, os juros não precisariam ser tão altos. No entanto, na economia real, aquela dos livros que Lula disse estarem obsoletos, o resultado seria o inverso: uma elevação, sinalizando uma tolerância maior com a inflação, teria o efeito de deteriorar ainda mais as expectativas, o que exigiria novas altas nos juros, em vez de sua redução. Na reunião de fevereiro do CMN, a meta nem foi discutida, dando a entender que os dois ministros teriam mais consciência que seu chefe; neste fim de junho, o trio manteve o alvo em 3% para 2024 e 2025, estendendo-o também para 2026. A alteração mais significativa foi a adoção da “meta contínua”, em vez do modelo de ano-calendário, mudança que Campos Neto disse ser um “aperfeiçoamento”. Com essa definição, fica removido um fator de dúvida que poderia exigir mais cautela dos membros do Copom.

O governo enxergou na ata do Copom uma aprovação da política que vem desenvolvendo. O texto “mostra que eles já reconhecem o trabalho da equipe econômica”, disse Tebet na terça-feira. “Ficou claro que estamos no caminho certo”, afirmou Haddad no mesmo dia. A ata, no entanto, é muito mais uma exortação que um endosso. O arcabouço ainda não está aprovado, e da maneira como está segue inspirando dúvidas. Reformas importantes como a tributária e a administrativa são igualmente necessárias – especialmente esta última, aquela que o governo Lula mais abomina. Deixar a economia nos trilhos para que os juros possam baixar exigirá de governo e Congresso muito mais que o que vem sendo feito até agora.

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