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O conflito entre Argentina e Reino Uni­­do pela soberania das ilhas Malvinas (Falklands, como os britânicos as chamam), reavivado depois que a empresa britânica Desire Petroleum iniciou há poucos dias a exploração de petróleo nas águas deste arquipélago do Atlântico Sul, tende a ganhar um novo status no cenário político internacional, com mais benefícios para o governo sediado em Buenos Aires do que para a Inglaterra. A retomada da discussão desse litígio secular vai trazer à tona, no­­vamente, as incoerências de colonizações pas­­sadas, a guerra de 1982 e a questão da jus­­teza de certos limites internacionais que en­­volvem situações como essa.

A Argentina tem todo o direito de reivindicar a soberania destas ilhas. Afinal, situam-se em sua costa, águas territoriais que muitos juristas internacionais consideram ser de le­­gítimo direito argentino. Além do mais, as geladas ilhas foram tomadas à força pelo exército britânico, em 1883, treze anos depois que os argentinos ali haviam instalado uma colônia penal. No entanto, este é um dos grandes litígios internacionais que se arrastam há quase dois séculos e que nenhuma instância de arbitragem, consentida pelos dois países, conseguiu solucionar até agora.

O presidente Lula tem razões para defender a Argentina neste caso, como fez com veemência na Reunião de Cúpula de Países da América Latina e do Caribe (Calc), encerrada na semana passada, em Cancún. Lula tocou em um ponto sensível, cobrando das Organizações das Nações Unidas (ONU) uma decisão definitiva sobre disputa em favor de nossos vizinhos. A questão não é tão simples assim, mas em parte o presidente brasileiro tem razão. Pelo papel que exerce, a ONU já de­­veria há muito, ou pelo menos desde o fim da batalha sangrenta de 1982, ter assumido a condição de instância máxima para arbitrar o litígio. Com certeza, hoje haveria uma solução negociada sobre o conflito.

O que está em jogo no momento, contudo, parece não ser a questão principal, ou seja, a discussão sobre a quem pertence legitimamente as Malvinas, e sim o próprio futuro do governo argentino. Por que esta reivindicação não foi bandeira permanente, desde o início dos governos do casal Néstor e Cristina Kir­­chner, que ocupa a Presidência da Argentina por dois mandatos? A presença da Desire Pe­­troleum na ilha parece não ser uma justificativa efetiva para o início desta campanha. Pois, afinal, é fato conhecido em todo o mundo, há vários anos, que os britânicos iriam explorar o potencial petrolífero dessas águas. Por que a campanha não começou antes?

Na verdade, o governo argentino passa por um momento difícil diante da sofrível administração de Cristina Kirchner nos campos político, econômico e social, sem falar do rescaldo de uma gestão temerosa de Néstor. Da mesma forma que o general Leopoldo Galtieri tentou desviar a atenção nacional e internacional da ruína da ditadura militar, em 1982, atacando os britânicos nas Malvinas, a presidente está tentando desviar os olhos do povo argentino e do mundo de seu fracasso político.

Há quase 28 anos, as consequências da aven­­tura de Galtieri foram fatais para o go­­verno. Diante da humilhação militar que foi submetida a Argentina e a trágica morte de 600 soldados de suas forças (os britânicos tiveram 250 baixas), o chefe da junta militar foi forçado a abandonar o poder, o que abriu caminho para a redemocratização do país, com a eleição, em 1983, de Raúl Alfonsín.

Hoje, é inconcebível qualquer reação militar argentina contra os britânicos. Não tem forças para isso e o clima internacional não permite. Portanto, este cenário reforça ainda mais a ideia de que esta campanha para despertar o ferido nacionalismo argentino é uma simples manobra política, que expõe ainda mais a fragilidade política dos Kirchner. A história acontece como tragédia e se repete como farsa – esta frase, de um célebre filósofo, parece exprimir muito bem a atual ação do poder argentino.

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