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Não há dados seguros, mas pode-se afirmar que o “setor da caridade” (ou “benemerência”, como se dizia) está entre os grandes lesados pela crise econômica de 2015. Num primeiro momento, a conta é fácil de fazer. Entidades que dependem – ao menos em parte – de doações e voluntariado da comunidade viram seus orçamentos minguar, a níveis de volume morto.

Rafael Pussoli, coordenador do Casa dos Pobres Albergue São João Batista, em funcionamento há mais de seis décadas no bairro Rebouças, diz que a diferença dessa crise para as outras é que os doadores sentem medo que lhes falte, e param de dividir. A situação assusta. Há relatos semelhantes em outras entidades. Até onde menos se espera. Diminuiu até o número de motoristas que estacionam para pedir bênção de carros na paróquia das Mercês. As esmolas, sem valor estipulado, são utilizadas para o atendimento de idosos e demais beneficiados da obra capuchinha.

A filantropia no Brasil tem a fragilidade de um cristal

Grosso modo, muitas entidades estão desviando da penúria com os tradicionais bazares – a exemplo da Associação Beneficente São Roque, que tem magnífica atuação social no paupérrimo Guarituba, em Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba. Um dia, algum pesquisador interessado na força insuspeita da economia criativa há de observar a força dos bazares. Serão saudados como salvadores de milhares de vidas, à revelia de sua simplicidade.

A filantropia no Brasil tem a fragilidade de um cristal. Não bastasse o vaivém de voluntários, reza o senso comum que a ação social está sempre na linha de corte. É vulnerável. O setor balança mesmo com os benefícios de sua profissionalização crescente a partir dos anos 1990, assim que os estatutos (como o da Criança e do Adolescente e o do Idoso) puseram um freio no Estado folgazão e negligente, impedindo que abandonasse seus pobres.

O atual reordenamento de orçamentos públicos aqui e ali tem o efeito de uma pilhagem. Uma das estratégias é amontoar as verbas destinadas ao combate à pobreza, com perdas, é claro. Nesse cenário, 2016 é uma incógnita. Pode não ser regra geral, mas a expectativa dos municípios é ver diminuir os fundos sociais, dado o recuo dos governos estaduais e federais, perdidos no tiroteio da crise.

O terceiro setor, dependa direta ou indiretamente do poder público, vê espirrar na barra de suas calças o açodamento dessa relação que não é propriamente um filme de amor. Atuam juntos, dependem um do outro, mas não raro se estranham. Há 30 anos, as entidades trabalhavam a seu modo, para bem e para mal. A mão pesada dos governos, a pressão dos movimentos sociais e os orçamentos cada vez mais vigiados trouxeram tensões. Some-se a penúria de convênios que mal cobrem as despesas das entidades; o desconhecimento da natureza dessas associações; e a mudança no próprio cenário de pobreza.

O terceiro setor passou a viver ao sabor dos humores políticos, com muita cobrança e pouco apoio, diz um conveniado. Muitas entidades se veem em apuros – não só financeiros, mas também técnicos. O crack e a violência endêmica exigem umas tantas habilidades a mais daqueles que abrigam e acolhem os desvalidos. Não é demais lembrar que um sem-número de congregações religiosas, paróquias e igrejas extinguiram ou diminuíram sua participação, pelas dificuldades – legítimas ou não – impostas pela ordenação do setor da caridade.

A tendência, diz a assistente social Jucimeri Silveira, superintendente de Planejamento da Fundação de Ação Social, é que a gestão pública diminua a burocracia. Ela cita o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, aprovado em 2014. Também viceja que estados e municípios tendem a reatar parcerias com iniciativas pequenas, como centros comunitários paroquiais, respeitando o seu tamanho e impacto nas pequenas comunidades – ainda que seja uma quadra. O gigantismo da ação social, nesse dia, meterá menos medo.

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