O grupo de alimentos foi um dos poucos a registrar aumento de preços em abril, segundo o IBGE.| Foto: Gazeta do Povo
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Em um país que passou boa parte da história recente preocupado com a inflação – seja com a hiperinflação finalmente controlada pelo Plano Real, seja com os episódios recentes de inflação alta gerados pela política econômica irresponsável do lulopetismo, manter o IPCA sob controle vem sendo algo a comemorar, já que a inflação não deixa de ser algo perverso, que destrói o poder de compra da população, especialmente a mais pobre, que não tem como se proteger da alta dos preços. Olhando por essa lente, a deflação registrada pelo IPCA em abril – recuo dos preços em 0,31%, o maior desde agosto de 1998 – seria um bom sinal, caso não fosse, na verdade, o primeiro indício de que o país pode viver um ciclo de “má deflação”, sintoma de uma doença grave na economia.

A deflação brasileira em nada tem a ver com aquela verificada em outros países, como o Japão, com sua cultura de poupança – de tão acostumados a verem os preços caírem, os japoneses muitas vezes adiam suas compras quando podem fazê-lo, o que leva a preços ainda mais baixos pela demanda fraca. A consequência de médio e longo prazo é uma economia estagnada, ainda que o fenômeno acabe por beneficiar os mais pobres, funcionando como uma espécie de transferência de renda. O caso brasileiro foi o de uma redução simultânea e súbita tanto da oferta quanto da demanda, causada pela pandemia do coronavírus.

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Quem tem reservas está pensando muitas vezes antes de usá-las; quem não as tem está limitando suas compras ao estritamente necessário à sobrevivência

Do lado da oferta, as medidas de isolamento necessárias para conter a primeira onda de contágio paralisaram a produção de bens e o fornecimento de inúmeros serviços. Em condições normais, oferta escassa levaria a aumento nos preços, mas não foi isso o que ocorreu por uma razão muito simples: o dinheiro sumiu do bolso do brasileiro, seja do empreendedor que vê seu negócio a ponto de quebrar, seja do assalariado que foi demitido ou teve seu salário reduzido, seja do autônomo que se viu impedido de trabalhar ou perdeu a clientela. Quem tem reservas está pensando muitas vezes antes de usá-las em uma aquisição de mais vulto, pois pode vir a precisar delas caso a situação se deteriore ainda mais; quem não as tem está limitando suas compras ao estritamente necessário à sobrevivência – não à toa os únicos grupos do IPCA que registraram subida nos preços foram alimentação e vestuário. E, em todos os casos, hábitos de consumo foram radicalmente alterados devido às restrições a deslocamentos e ao funcionamento de estabelecimentos.

E nada indica que os próximos meses serão muito diferentes. Diante da piora em indicadores como novos casos, mortes e ocupação de leitos de UTI, locais que começavam a se preparar para afrouxar a quarentena estão reconsiderando o movimento. No estado de São Paulo, o plano original era o de iniciar uma reabertura gradual a partir desta segunda-feira, mas o governador João Doria anunciou o prolongamento da quarentena até o fim de maio; outros locais estão avançando para medidas ainda mais drásticas – e com violações bastante questionáveis do direito de ir e vir, como no Maranhão, no Ceará e no Pará. Com as pressões sanitárias e econômicas se intensificando simultaneamente, os gestores públicos se veem com uma decisão dificílima nas mãos.

Parte da inflação baixa que o Brasil vinha registrando até o início da pandemia já podia ser atribuída a uma causa negativa, pois o desemprego – o legado mais persistente da recessão deixada pelo petismo – se mantinha em níveis altíssimos, afetando a demanda. Agora, a “tempestade perfeita” causada pela pandemia levará o país a viver um fenômeno oposto àquele que costumava ser um dos maiores medos das famílias brasileiras até algum tempo atrás. O Brasil terá de aprender a responder à deflação – não aquela que vem temporariamente para beneficiar os mais pobres ao preservar o valor de compra do seu dinheiro, mas aquela que chega pelo pior dos motivos.