Vivêssemos sob um regime política e economicamente fechado e sob completo controle do Estado, seria mais fácil compreender medidas de intervenção direta na gestão administrativa de empresas privadas que vêm sendo ensaiadas no país ultimamente, revestidas de aparentes bons propósitos. Uma delas partiu da Justiça trabalhista, que, na semana passada, baixou ordem impedindo provisoriamente a Embraer de completar o processo de demissão de 4,2 mil dos seus 10 mil empregados. Outra é o projeto de emenda constitucional do governo paranaense, em tramitação na Assembleia Legislativa, que proíbe a demissão de funcionários por parte de empresas beneficiárias de incentivos fiscais concedidos pelo estado.

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Ambas são apresentadas como remédios contra o desemprego, o pior dos efeitos que emergem da crise financeira internacional que vivemos atualmente. Premidas pela retração generalizada, que fez desabarem as encomendas e, por conseguinte, o nível de produção, as empresas – sejam elas grandes ou pequenas indústrias ou as dos ramos comercial e de serviços – veem-se compelidas a adotar providências para fugir da insolvência certa. Infelizmente, a mais usual – embora reconhecidamente perversa – é a dispensa da parcela de mão-de-obra que se tornou ociosa.

Trata-se de uma realidade contra a qual não há argumentos razoáveis. Tal situação configura-se de maneira clara no caso da Embraer, a ex-estatal brasileira fabricante de aviões que, após experimentar os bons ventos da administração privada, tornou-se um dos mais respeitados gigantes mundiais do setor aeronáutico. Pois agora, diante da crise, seu trabalho tem sido quase tão somente o de registrar o cancelamento de encomendas que já tinha em carteira.

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Na prática, isto significa que seu antigo quadro de empregados, em grande parte constituído por mão-de-obra altamente qualificada, ficou superdimensionado em relação à produção diminuída. Mantê-lo do mesmo tamanho não é, decididamente, uma postura que possa ser classificada como inteligente, mesmo porque isto seria o mesmo que condenar a empresa à falência, levando todos os funcionários, em não apenas uma parcela deles, à fatal dispensa. Logo, a pretexto de salvar o emprego de 4 mil, ameaçam-se com o mesmo destino o total de 10 mil.

Evidente que não se prega aqui a demissão em massa de empregados como regra ou como único recurso de que devem lançar mão os empresários que lutam pela sobrevivência. Ao contrário, em razão de seu trágico efeito social, esta deve ser a última alternativa, após malogradas todas as demais tentativas de reequilíbrio constantes do arsenal da boa administração empresarial. Mas também não se pode deixar de reconhecer que a dispensa de mão-de-obra ociosa faz parte desse arsenal.

É neste ponto que entra o papel indispensável do Estado: ele deve, sim, usar todos os mecanismos que lhe são próprios para favorecer a manutenção das vagas, mas sobretudo mediante o incentivo à continuidade dos níveis de consumo e produção. Não são poucos tais mecanismos: vão da abertura de linhas de crédito à redução dos juros e das renúncias fiscais – nunca, porém, a intervenção direta que vise a proibir prerrogativas típicas da gestão empresarial.

É o que, de um lado, tenta a fazer a liminar concedida por um juiz trabalhista que, baseando-se em princípios constitucionais genéricos, como os que pregam "a dignidade do homem livre" e "os valores sociais do trabalho", atropela regras concretas inscritas na mesma Constituição e nas leis que regulam as relações trabalhistas.

Da mesma forma procura também agir o governo paranaense com sua proposta de condicionar os incentivos (inclusive os já concedidos e objetos de contratos legítimos) à preservação dos empregos. Empresas que se beneficiarem de estímulos desta natureza arriscam-se a perdê-los ou a não os alcançarem caso não se comprometam a não demitir. Na aparência, uma medida de meritório fundo social, mas cujos efeitos práticos tendem a ser contrários à boa intenção.

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Em todo o mundo, seja na América, na Europa ou na Ásia, os governos têm adotado remédios diferentes contra o desemprego – nenhum parecido com os exemplos intervencionistas intentados por aqui. Todos esforçam-se em criar condições para que as empresas recuperem a solidez e se mantenha a dinâmica dos mercados. Centram-se na ideia de que esta é a via mais eficaz para preservar empregos. Mas ainda assim o desemprego não continua crescendo? Pensemos de outra forma: a situação não poderia ser pior sem as medidas adotadas até agora?

Assim, parece-nos que a intervenção do Estado na vida doméstica das empresas, das formas enunciadas nos casos da Embraer e do Paraná, só teria mesmo eficácia se fosse acompanhada de uma lei geral de proibição de falências.