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 | Hugo Harada/Gazeta do Povo
| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Às voltas com o constante decréscimo no número de passageiros, os responsáveis pelo transporte urbano de Curitiba parecem não estar dando atenção suficiente a medidas que poderiam trazer de volta o passageiro que trocou o ônibus por outras opções. É o que se conclui do documento de apenas quatro páginas que o Livre.jor recebeu da Urbs – a empresa que administra o sistema de ônibus curitibano – após ter pedido, com base na Lei de Acesso à Informação, “todos os estudos, conclusivos ou não, realizados pela empresa a respeito da possível adoção da tarifa temporal” – a integração temporal é o modelo que permite ao passageiro trocar de ônibus sem ter de pagar uma segunda tarifa (ou pagando um valor menor), desde que o faça dentro de um determinado período de tempo. Essa integração poderia ocorrer em qualquer ponto de ônibus, ao contrário do modelo atual, que só prevê a baldeação gratuita em terminais e estações-tubo.

A julgar pela resposta enviada, ou a requisição não foi completamente atendida, ou, se tudo o que a Urbs tem são aquelas quatro páginas, ela não tem levado o tema a sério. Isso significa ignorar a experiência de São Paulo, onde a integração temporal por meio do Bilhete Único tem mantido o número de passageiros estável, na casa dos 2,9 bilhões desde 2010 (em 2005, eram 2,5 bilhões; o sistema começou a funcionar em 2004) – e, para a Urbs, apenas estancar a queda já seria uma vitória. O que se depreende da leitura do documento é o apego ao antigo planejamento baseado em terminais, revolucionário quando foi lançado, e que por muito tempo ajudou a fazer a fama de Curitiba, tendo sido copiado dentro e fora do Brasil. Mas nenhum modelo é imune à necessidade de atualizações.

Nenhum modelo é imune à necessidade de atualizações

E o que interessa não deveria ser o apego ao modelo, mas o fornecimento de um serviço decente à população. “A integração temporal vai apenas proporcionar, caso interesse aos usuários, uma outra opção de deslocamento, que hoje requer o pagamento da segunda tarifa. Obviamente, ter esta opção de escolha pagando uma única tarifa é um benefício para o usuário ou para quem paga a tarifa, como é o caso dos empregadores”. Ora, se o benefício é evidente, está posta a justificativa para se levar a sério a possibilidade da implantação da integração temporal. O próprio estudo da Urbs indica que, em uma determinada data (21 de maio de 2013 – não havia números mais recentes à disposição?), 14,53% dos usuários pagaram uma segunda tarifa dentro de um período de duas horas. Não é uma proporção desprezível, tanto que foi usada pela Urbs para estimar a possível queda na receita do sistema com a adoção da integração temporal e argumentar contra sua implantação – sem considerar, no entanto, possíveis novas receitas oriundas de passageiros que voltariam a usar o ônibus caso pudessem pagar menos por duas viagens.

É evidente que a adoção de um modelo como esse exige algumas mudanças na forma como o curitibano usa o ônibus. A integração temporal, por exemplo, só funcionaria com o uso do cartão, que tem a adesão de 60% dos passageiros curitibanos mesmo depois da decisão de não aceitar dinheiro nas linhas que usam veículos menores (o que, aliás, seria outro motivo para a Urbs basear suas conclusões em dados mais recentes, e não em números de 2013). Mas podemos considerar que o uso mais amplo do cartão em substituição ao dinheiro representaria uma modernização no sistema. Haveria, sem dúvida, impactos derivados, como indica Luiz Filla, gestor de operação transporte coletivo da Urbs, que citou à reportagem a discussão sobre o destino dos cobradores. Neste caso, seria preciso avaliar o que é mais relevante para a sociedade.

Leia também:A tarifa do ônibus na Justiça (editorial de 17 de fevereiro de 2017)

Um aviso antigo:Ônibus sem prestígio (editorial de 6 de junho de 2012)

A questão da tarifa, dentro da qual se insere a discussão sobre a integração temporal, não é o único problema do transporte coletivo de Curitiba. Superlotação, violência, ônibus velhos demais para estarem circulando e o barateamento de opções individuais de transporte levam potenciais passageiros a deixar o ônibus de lado. Se, mesmo assim, os gestores do transporte coletivo pretendem seguir insistindo nas mesmas práticas de sempre, é difícil acreditar que o curitibano voltará a prestigiar aquilo que um dia já foi o orgulho da cidade.

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