Uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) vem causando polêmica nos quatro cantos do território nacional. Trata-se do julgamento do Habeas Corpus 84.078-7/MG, no qual se defendeu a possibilidade de um agricultor, condenado por homicídio, permanecer em liberdade até seu julgamento em instância final. Após intenso debate, dos 11 ministros que compõem a Corte, 4 deles posicionaram-se pelo recolhimento do indivíduo à prisão, e 7 ministros votaram favoravelmente à concessão da ordem, ou seja, favoravelmente à tese de que o condenado poderia sim aguardar em liberdade o trânsito em julgado de sua sentença condenatória.

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O que se discutiu naqueles autos foi, fundamentalmente, o alcance do princípio da não culpabilidade (presunção de inocência), que está no art. 5º, LVII, da Constituição Federal: "... LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Os argumentos favoráveis à concessão da ordem basearam-se, notadamente, no dispositivo constitucional acima mencionado, no fato de não se admitir no Brasil a chamada "antecipação da pena", e no fato de que, a própria Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), em seu artigo 105, prevê a necessidade do trânsito em julgado da sentença: "Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução".

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Já os que defenderam o agricultor fosse mantido preso sustentaram, em suma, a inexistência de recursos remanescentes com efeito suspensivo, a não razoabilidade do entendimento de que ninguém poderia ser preso até o seu julgamento pelo STF, a enxurrada de recursos que seriam invariavelmente interpostos, o fato de que os processos seriam infindáveis, a consolidação da impunidade, e assim por diante.

Em uma primeira análise, a decisão realmente pode parecer absurda, pois, afinal de contas, como poderia permanecer em liberdade uma pessoa condenada duas vezes por um Tribunal do Júri, e com decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais? Pois bem, a questão não se revela tão simples assim, sendo imprescindível uma análise mais detida e serena sobre tema.

Ora, é inegável a lentidão da Justiça, a existência de recursos em demasia; e o fato de que, em nosso país, a impunidade tem sido quase sempre a regra. Essas constatações, no entanto, não podem afastar o STF de sua missão principal, qual seja, a de zelar pela Constituição Federal Brasileira, merecendo destaque o alerta feito pelo ministro Eros Grau: "É bom que estejamos bem atentos, nesta Corte, em especial nos momentos de desvario, nos quais as massas despontam na busca, atônita, de uma ética – qualquer ética – o que irremediavelmente nos conduz ao "olho por olho, dente por dente". Isso nos incumbe impedir, no exercício da prudência do direito, para que prevaleça contra qualquer outra, momentânea, incendiária, ocasional, a força normativa da Constituição."

O voto do relator demonstra que o STF decidiu em linha com o disposto na Magna Carta, e que assim o fez privilegiando uma garantia fundamental de todo e qualquer cidadão: a liberdade. A Corte máxima não poderia jamais decidir de forma passional, com base em argumentos tais como a consagração da impunidade ou no assombroso volume de recursos que bateriam Às portas dos Tribunais Superiores. Isso sim seria um absurdo, pois, novamente nas palavras do ministro Eros Grau: "a prevalecerem essas razões contra o texto da Constituição melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem nos contrariar".

Pois bem, mas a proteção da sociedade em relação ao indivíduo em liberdade, como fica? Os juristas que defendem a decisão do Supremo lembram que a proteção da sociedade se opera pelo instituto da prisão preventiva, que continua a ser um importante e adequado mecanismo para a garantia da ordem pública e, enfim, para afastar do convívio social aqueles que possam colocar em risco a vida e a integridade de outros indivíduos.

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Nessa toada, se os trâmites processuais se revelam inadequados, defendamos então reformas legislativas. Se faltam recursos (materiais e humanos) no Judiciário, defendamos o seu devido aparelhamento. E se as políticas públicas (de segurança, educação etc.) se revelam equivocadas e inócuas, defendamos então o voto consciente. Jamais defendamos, contudo, casuísmos e imediatismos em evidente rota de colisão com o estado democrático de direito, com a Constituição Federal, e com direitos e garantias fundamentais arduamente conquistados.