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As pessoas de bem talvez compreendessem os deputados estaduais se eles deixassem de receber durante o período em que não trabalhassem

Há quem defenda que as campanhas eleitorais sejam financiadas com dinheiro público. O argumento é de que só assim a política seria moralizada, pois partidos e candidatos não precisariam recorrer às doações privadas – mãe da corrupção que grassa desvairada na teia de compromissos espúrios que passa a envolver os eleitos com seus doadores. Mas a verdade é que as campanhas já são, na prática, financiadas com dinheiro público.

Doações privadas, de modo geral, apenas suplementam as fortunas que saem do erário a título de contribuição para o exercício da democracia. Para caracterizar o já existente financiamento público de campanhas, existe o Fundo Partidário – dinheiro que sai do Orçamento diretamente para os cofres dos partidos. Somente em 2012, perto de R$ 300 milhões tomam este destino, com uma curiosidade esdrúxula: boa parte do Fundo é constituída por multas aplicadas pela Justiça Eleitoral contra quem infringiu a legislação. Ou seja: quanto mais os partidos e seus candidatos descumprirem as leis, maior é o volume de recursos que recebem!

Mas não para aí o escândalo do financiamento público direto das campanhas. Há também o indireto, ainda mais atentatório à consciência dos cidadãos e dos contribuintes. Estamos diante de um caso desses neste exato momento: os deputados estaduais do Paraná foram dispensados do trabalho legislativo por 18 dias para cumprir agendas de campanha em suas bases eleitorais, quer disputando eles próprios (caso de dez parlamentares), quer para apoiar correligionários que concorrem às prefeituras e câmaras municipais (caso dos demais 44 deputados). E reportagem na Gazeta do Povo de hoje mostra que na Câmara Municipal de Curitiba a atividade parlamentar foi reduzida ao mínimo, limitando-se à apreciação de projetos de pouca relevância.

O presidente da Assembleia Legislativa, deputado Valdir Rossoni, autor da decisão, se saiu com frases dignas de figurar no anedotário para justificar a folga: "Acho que serei compreendido pelas pessoas de bem", afirmou. As pessoas de bem talvez compreendessem os deputados se eles deixassem de receber durante o período em que não trabalhassem – como na iniciativa privada, em que funcionários podem tirar licenças não remuneradas quando há um motivo relevante. Apesar de, no caso dos parlamentares, ser possível questionar a existência de tais motivos, especialmente para os 44 deputados que não disputam a eleição e se ausentam da Assembleia apenas para ajudar aliados. Já no caso dos parlamentares-candidatos, poderíamos comparar sua situação à de um trabalhador que pedisse licença não remunerada para procurar um novo emprego, com a garantia de retornar ao posto caso a busca fosse infrutífera. Cabe a cada um avaliar se esse seria um motivo relevante ou não.

Mas não: a folga por 18 dias não implicará nenhum tipo de desconto. Os deputados receberão normalmente o salário pago com dinheiro religiosamente recolhido aos cofres públicos pelos contribuintes-eleitores. Aliás, este período de recesso é o segundo em um mês; o primeiro – de uma semana, no início de setembro – teve como pretexto a necessidade de se realizar uma obra na sede da Assembleia, que por sinal não foi feita. Quando terminar a nova folga, os deputados terão recebido integralmente por praticamente um mês inteiro de inatividade parlamentar.

Um prejuízo tão imoral quanto financeiro é o descumprimento das funções legislativas de que estão constitucionalmente encarregados os deputados, eleitos pelo voto popular para honrar o mister a que se propuseram (e juraram cumprir) quando disputaram suas eleições. É um prejuízo não contabilizado monetariamente, mas é, sem dúvida, uma demonstração do desprezo que os políticos devotam aos próprios mandatos, à instituição a que pertencem e à população que os elegeu.

Rossoni ainda insinuou que as críticas à folga remunerada seriam motivadas por inveja. "Não serei compreendido por alguns repórteres que têm trauma, que gostariam de ser deputados, mas lhes falta o voto, e o voto é que consagra o deputado aqui na Casa", afirmou. E, aos deputados para quem o voto não falta, falta o respeito a quem neles votou.

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