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Editorial

A punição a Deltan Dallagnol e a liberdade de expressão

Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

Nesta terça-feira, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) promoveu um novo capítulo da perigosa desconstrução da Operação Lava Jato, juntando-se a deputados, senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal que têm trabalhado, intencionalmente ou não, para minar a mais emblemática operação de combate à corrupção da história do país. O coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal, procurador Deltan Dallagnol, sofreu pena de advertência por uma entrevista concedida à rádio CBN em agosto de 2018, uma decisão que, além de contribuir para a narrativa que desmoraliza a operação, ainda abre precedentes perigosos para a liberdade de expressão.

Na entrevista, Dallagnol criticou uma decisão da Segunda Turma do STF, que havia desmembrado depoimentos de executivos da empreiteira Odbrecht, remetendo alguns trechos à Justiça Federal em Brasília ou ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Naquela ocasião, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes venceram o relator Edson Fachin – o quinto membro da turma, Celso de Mello, não estava presente. Dallagnol, então, afirmou à CBN que “os três mesmos de sempre do Supremo Tribunal Federal que tiram tudo de Curitiba e mandam tudo para a Justiça Eleitoral e que dão sempre os habeas corpus, que estão sempre se tornando uma panelinha assim (...) que mandam uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção”. Logo na sequência, o procurador fez uma ressalva: “objetivamente, não estou dizendo que estão mal-intencionados, estou dizendo que objetivamente mandam uma mensagem de leniência. Esses três de novo olham e querem mandar para a Justiça Eleitoral como se não tivesse indicativo de crime. Isso para mim é descabido”. Toffoli não gostou da menção e acionou o CNMP, que abriu um processo administrativo disciplinar (PAD). Por oito votos a três, os conselheiros decidiram pela advertência.

Por mais que a advertência seja a mais leve das punições previstas na lei, continua a ser uma injustiça

Os conselheiros que votaram pela punição consideraram que Dallagnol violou dispositivos da Lei Complementar 75/1993, que rege, entre outras coisas, o comportamento dos membros do MP, pois não guardou o “decoro pessoal”, nem tratou “com urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço”, como afirmam os incisos VIII e X do artigo 236. Um dos conselheiros criticou especialmente o uso do termo “panelinha”. Isso significa que o CNMP optou por uma interpretação bastante restritiva da lei, desconsiderando algumas circunstâncias concretas do caso e as garantias à liberdade de expressão presentes em outros textos, como a Lei Orgânica da Magistratura.

Dallagnol deixou claro, no trecho da entrevista que motivou o processo administrativo, que não estava incitando desobediência à determinação do Supremo, nem fazendo ataques pessoais aos ministros; estava, sim, criticando suas atitudes, por meio das decisões tomadas – não apenas aquela que motivou a indignação do procurador, mas também várias outras no mesmo sentido, em que Toffoli (que deixou a Segunda Turma para assumir a presidência da corte em setembro de 2018), Mendes e Lewandowski ou decidiam monocraticamente ou formavam maioria, sempre em favor dos réus, algo amplamente documentado.

Ora, a mera crítica a decisões do Poder Judiciário, contribuindo para o debate público, não pode ser considerada abusiva ou condenável, mesmo levando em consideração as normas que pedem decoro ao membro do Ministério Público. Essa foi, inclusive, a conclusão do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), que arquivou investigação pelo mesmo motivo. O CNMP, no entanto, preferiu ignorar a “inviolabilidade pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional”, garantida aos procuradores no artigo 41 da Lei Orgânica do Ministério Público.

Por mais que a advertência seja a mais leve das punições previstas na lei, continua a ser uma injustiça. Afinal, Dallagnol está sendo advertido pura e simplesmente por ter feito críticas objetivas a decisões do Poder Judiciário, no exercício de sua liberdade de expressão, dentro dos parâmetros garantidos pela Constituição e pela legislação que trata do comportamento dos membros do MP. A pouca tolerância demonstrada pelo CNMP neste caso envia a pior mensagem possível aos demais integrantes do órgão, que certamente começarão a pensar duas vezes antes de quaisquer manifestações, mesmo aquelas que poderiam contribuir para o debate público, para o aperfeiçoamento das instituições e para a defesa do cidadão e da sociedade contra a corrupção e os corruptos.

Além disso, a advertência também faz a festa daqueles que sonham com o fim da Lava Jato, pois coloca a força-tarefa na defensiva e fortalece a narrativa mentirosa sobre os supostos “abusos” cometidos ao longo da operação, uma lorota alimentada pelo circo midiático da divulgação de supostas mensagens e endossada até mesmo por figuras importantes da República, como Gilmar Mendes, maior crítico da Lava Jato no STF, e o procurador-geral Augusto Aras. A importância da Lava Jato para o país não está apenas em tudo o que vem conseguindo em termos de punições de poderosos, mas também no fato de a operação ter obtido resultados expressivos sem apagar os limites legais, consciente de que os fins não justificam os meios. É este legado que está sendo lentamente destruído em várias frentes, e com isso quem perde é o Brasil.

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