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O "discurso" parece ter um salutar espírito republicano, aquele que prevê a independência harmônica entre os Poderes. Entretanto, não é essa a leitura mais correta que se deve fazer da rebelião de 43% dos deputados da Câmara Federal que, nos dias pré-carnavalescos, decidiram se afastar da base de apoio à presidente Dilma Rousseff. Autodenominados de "blocão", eles já não mais estariam dispostos a obedecer cegamente às ordens emanadas do Executivo, mas agir de acordo com as próprias consciências e, no limite, até colocar em votação e aprovar projetos que desagradam ao Planalto.

No fundo, os rebelados (liderados, segundo consta, pelos peemedebistas Eduardo Cunha e Henrique Alves, este último presidente da Câmara) assim agem por se considerarem desprestigiados pelo governo, que decidiu não liberar R$ 13 bilhões em emendas parlamentares; não destinar ministérios para uns ou outros; e manter fechadas as portas do diálogo condescendente de que se acham merecedores os deputados.

É a confissão pronta e acabada de que as relações entre Executivo e Legislativo – na visão dos amotinados – devem ser prevalentemente pautadas pelo velho e imoral "toma-lá-dá-cá": se o governo satisfaz as ambições político-eleitorais dos caciques partidários ou do baixo clero sedento pelas verbinhas com que atendem seus currais, ótimo: o Executivo ganha toda a sua boa vontade e os votos para aprovar o que bem entender. Caso contrário, lá vem o revide na forma de chantagem.

Não é de se estranhar esse tipo de comportamento. Ele é resultado do nosso estranho presidencialismo de coalizão que se constitui basicamente antes mesmo das eleições. O partido que apresenta candidato a presidente precisa correr atrás de outros apoios partidários visando principalmente a aumentar seus tempos de exposição nos programas eleitorais gratuitos. Formam-se, então, as mais esdrúxulas alianças, nas quais não contam a ideologia, os programas ou quaisquer outros fatores mais nobres que exijam convicções de consciência. Método, aliás, que se repete também nas eleições de governadores e prefeitos. Eleitos, os presidentes comprometem-se a dividir o poder entre os membros da aliança. Dão-lhes ministérios, cargos nas estatais, prometem-lhes a liberação de emendas e até mensalões – tudo para que, no Congresso (bem como nas assembleias ou nas câmaras municipais), fiquem asseguradas confortáveis maiorias fiéis à orientação do Executivo. Se tais prebendas deixam, circunstancialmente ou não, de ser proporcionais às ambições de cada um, sobrevém a chantagem como a que assistimos neste momento.

Sem dúvida, o Poder Legislativo perde em legitimidade. Não se defende a primazia do parlamento sobre o Executivo, nem o contrário. Deve prevalecer entre eles harmonia e independência, um jogo de pesos e contrapesos que assegure, sobretudo, a defesa do interesse público e a representatividade popular dos mandatos.

Infelizmente, não é este o horizonte que nos aguarda em futuro tão próximo quanto desejável, pois tudo está a depender de uma reforma política genuína que nos livre do exagero, por exemplo, de contarmos com três dezenas de partidos fisiológicos e de um sistema eleitoral que, por suas distorções, nem de longe reflete o interesse nacional. E essa reforma não acontece.

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