Na noite em que Dilma Rousseff venceu o segundo turno da eleição presidencial, ela falou da necessidade de diálogo com a oposição e do respeito à posição de dezenas de milhões de brasileiros que votaram em seu adversário, uma fala que mereceu nossos elogios. No entanto, poucos dias depois, a Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores emitiu uma "resolução política" que contraria todo o discurso da presidente reeleita, ao insistir na divisão do país e pregar o confronto aberto com os setores da sociedade que não aderiram ao projeto petista.

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Enquanto Dilma, na noite de 26 de outubro, dizia que "em lugar de ampliar divergências, de criar um fosso, tenho forte esperança de que a energia mobilizadora tenha preparado um bom terreno para a construção de pontes", a resolução petista, datada de 3 de novembro, associa os 51 milhões de brasileiros que votaram em Aécio Neves com "o machismo, o racismo, o preconceito, o ódio, a intolerância, a nostalgia da ditadura militar", repetindo acusações que, se já não tinham fundamento quando dirigidas a Aécio, menos sentido ainda fazem em relação a seus eleitores. Assim, talvez inconscientemente, passa a valer a ideia de que quem não votou no PT seria um portador de preconceitos deploráveis.

A insistência na retórica do "nós contra eles", insuflada por Lula ao longo não só da última campanha, mas dos 12 anos de petismo no poder, se baseia na adesão a um conceito anacrônico, o da "luta de classes que aqui se trava sob as mais variadas formas", segundo expressão do documento petista. É exatamente essa explicação infundada e superficial da lógica do funcionamento da sociedade que cria divisões profundas, seja socioeconômicas – entre ricos e pobres, patrões e empregados –, seja raciais ou de gênero. Divisões que o documento petista tenta atribuir à oposição, quando na verdade são fomentadas por essa mentalidade da "luta de classes".

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E o resultado final dessa visão petista, o documento não esconde, é a "hegemonia", ou seja, a dominação completa do Estado nos moldes do Moderno Príncipe gramsciano, que será atingida por meio do tripé formado por "ação institucional, mobilização social e revolução cultural". É por isso que a resolução insiste em plataformas específicas como uma "Lei da Mídia Democrática" – praticamente copiando o nome da Lei de Meios argentina, que amordaçou a imprensa oposicionista do país vizinho – e o plebiscito para uma Assembleia Constituinte da reforma política, contornando o Congresso Nacional em uma manobra reveladora: enquanto se exalta a decisão do povo que conduziu Dilma a um segundo mandato, despreza-se a vontade desse mesmo povo que também elegeu uma "maioria conservadora da Câmara dos Deputados", ou seja, o voto popular só é digno quando dado a um determinado partido.

Como afirmamos na segunda-feira, trata-se de um distanciamento total das preocupações mais urgentes do brasileiro, que vê a economia se deteriorando e as conquistas sociais murchando – não é à toa que o governo deliberadamente adiou para depois do segundo turno a divulgação de um rombo recorde no Tesouro Nacional e do crescimento do número de miseráveis. Sobre isso não se diz praticamente nada na resolução. E, mesmo sobre a corrupção, é sintomático que a Executiva Nacional não fale propriamente no combate a essas práticas nocivas, e sim em "ser muito mais proativo no enfrentamento das acusações de corrupção, em especial no ambiente dos próximos meses, em que setores da direita vão continuar premiando delatores" – ou seja, responder às denúncias parece mais importante que o combate à corrupção em si.

Estamos certos de que o conteúdo dessa resolução não traduz o que pensa a esmagadora maioria dos eleitores de Dilma. Nossa esperança é a de que as mentes mais esclarecidas dentro do PT percebam isso e se manifestem com coragem, seguindo a própria presidente, que se distanciou do documento em entrevista na quinta-feira. Entre o discurso conciliador de Dilma e o tom belicoso desse documento, é o primeiro que precisa prevalecer, e os petistas que lutarem por isso – inclusive na reunião do Diretório Nacional do PT, no fim deste mês – estarão prestando um valioso serviço ao país.

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