Veículos americanos participam de treinamento militar com forças da Europa para avaliação de prontidão e interoperabilidade em Hohenfels, Alemanha, 18 de janeiro de 2020| Foto: Sgt. Megan V. Zander / U.S. Army National Guard
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As relações entre a maior potência militar do planeta e a principal economia da Europa correm o risco de sofrer um abalo. A decisão do governo Trump de reduzir a presença de tropas dos Estados Unidos na Alemanha, confirmada nesta semana pelo presidente americano, pode ser o marco de um novo momento na aliança entre os dois países, que dura sete décadas.

A presença militar dos Estados Unidos na Alemanha tem sido contínua desde a Segunda Guerra Mundial. Após o armistício, em 1945, tropas aliadas participaram da reconstrução do país por quase uma década. Desde 1954, a atuação dos militares dos Estados Unidos em território alemão se dá sob o guarda-chuva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança criada pelos países do Ocidente para se contrapor à influência da União Soviética.

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Ainda hoje, a Alemanha tem a maior base militar americana fora dos Estados Unidos, e segue como o país com a principal presença militar americana na Europa. São aproximadamente 35 mil soldados. Em 2006, o número estava acima dos 75 mil. A redução gradual faz sentido, já que as ameaças de um conflito militar na Europa Ocidental vêm caindo desde o fim da Guerra Fria – ao mesmo tempo em que o Oriente Médio se transformou na principal dor de cabeça para os Estados Unidos. Ao justificar sua decisão, entretanto, Donald Trump se concentrou em argumentos financeiros e usou uma linguagem agressiva. "A Alemanha está devendo há muitos anos. Eles devem bilhões de dólares à Otan. Eles precisam pagar. Nós temos protegido a Alemanha e a Alemanha está devendo. Isto não faz sentido," disse o presidente na segunda-feira.

Trump tem razão quando se queixa de que a Alemanha (assim como a maior parte dos países europeus) não está cumprindo o compromisso de destinar 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para a defesa, como exige a Otan. O próprio governo alemão admite isso, embora prometa atingir esse patamar de contribuição no longínquo ano de 2031. Em 2019, o valor destinado pela Alemanha foi de 1,4% do PIB,  enquanto o dos Estados Unidos alcançou os 3,4%. Com uma postura que por vezes beira o isolacionismo em política externa, Trump faz críticas frequentes ao que, para ele, é um gasto excessivo dos Estados Unidos com a defesa de seus aliados na Europa sem uma contrapartida adequada por parte deles. E, de fato, faz pouco sentido que os americanos mantenham uma presença militar intensa em nações que, além de estarem em uma situação de paz, têm plenas condições de cuidar de si mesmas.

É questionável, entretanto, a forma como a retirada se desenha. A decisão de Trump, que promete remover cerca de 9,5 mil soldados até o fim do ano, foi tomada de forma unilateral, sem uma saída acordada ou um plano gradual que permita à Alemanha e aos demais países europeus readequarem sua estratégia de defesa. Uma medida dessa magnitude não pode ser adotada repentinamente, e levando em conta apenas aspectos econômicos. Como lembrou a embaixadora alemã nos Estados Unidos, Emily Haber, “As tropas americanas não estão lá para defender a Alemanha. Elas estão lá para defender a segurança transatlântica.” A decisão do governo americano fere princípios básicos das relações internacionais, como o de que decisões com grande potencial de impacto para um país aliado não devam ser tomadas antes que os canais de diálogo sejam exauridos. É válido destacar ainda que, ao dar sinais de que pode rever os termos de alianças tão sólidas como a que une Estados Unidos e Alemanha, o governo americano gera insegurança em outras nações amigas. A ação de Trump enseja consequências sobre a geopolítica do Ocidente como um todo.

Além disso, a retirada abrupta das tropas teria consequências práticas do ponto de vista geopolítico. A principal delas é encorajar a Rússia e a China a expandirem sua área de influência, presumindo que, desde que os Estados Unidos não sejam diretamente afetados, nenhuma ação mais séria será tomada pela gestão de Donald Trump. A Alemanha tem a maior população da Europa (sem incluir a Rússia) e ocupa o centro geográfico do continente.

A atitude de Trump, com certo grau de impulsividade, surpreendeu não apenas o governo alemão e a Otan, mas o próprio Congresso dos Estados Unidos. Um grupo de 22 parlamentares republicanos escreveu uma carta pedindo que o presidente reavalie sua decisão.

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Ao mesmo tempo, a declaração de Trump deu margem a interpretações de que o presidente americano estava utilizando seu método favorito de negociação: um ataque duro para, em seguida, sentar-se à mesa de conversas em uma posição de vantagem. A falta de precisão sobre a retirada das tropas também foi lida como um sinal de que o governo americano ainda não bateu o martelo sobre o assunto: “Quando chegarmos a 25.000 (soldados) vamos ver para onde iremos”, ele afirmou. Uma das possibilidades aventadas é que parte das tropas seja realocada para a Polônia.

Tendo feito carreira no mundo dos negócios, fora da política, o presidente americano parece enxergar pouco além do aspecto financeiro. Embora a geopolítica não seja uma ciência exata, é possível afirmar com segurança que, cada vez que os Estados Unidos reduzem sua esfera de influência, seus adversários avançam: não existe vácuo no jogo de poder global. E o mundo é melhor quando os Estados Unidos, não a Rússia ou a China, são o poder predominante.

Preparando-se para uma disputa eleitoral que, a estarem corretas as pesquisas, será acirrada ao extremo, Trump parece não estar disposto a esperar. Deveria. É preciso lembrar que embora o preço da presença militar americana na Europa seja elevado, o custo de uma nova Guerra Fria, ou mesmo de um conflito armado no Velho Continente, seria maior ainda.

O anúncio de que os Estados Unidos pretendem retirar unilateralmente quase 30% de suas tropas na Alemanha constitui um episódio em que o presidente Donald Trump, se não erra no conteúdo, equivoca-se quanto à forma. O episódio pode prejudicar uma aliança crucial dos americanos com a principal economia europeia, potencializando as ações de Rússia e China no vácuo de poder deixado pela redução da influência americana no continente. Um passo errático, em meio ao acirramento das tensões políticas no mundo todo.