Quando a presidente Dilma Rousseff desejou bom dia “aos brasileiros e brasileiras de coragem” durante a posse do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil, a única pessoa de coragem presente à cerimônia já tinha sido retirada do local: o deputado Major Olímpio, do Solidariedade, que gritou “vergonha!” antes que Dilma começasse seu discurso, já com os termos de posse devidamente assinados. A não ser que por “coragem” a presidente estivesse querendo dizer audácia ou desfaçatez, que foi a tônica da manhã de quinta-feira no Palácio do Planalto. Ministros, secretários, parlamentares e outros aliados do petismo com os braços erguidos – gesto celebrizado pelos mensaleiros condenados –, gritando “não vai ter golpe”, enquanto o golpe se desenrolava diante de seus olhos, com Dilma mantendo o cargo, mas devolvendo o poder a seu criador, na esperança de que ele a salve de um impeachment mais que merecido, em troca do foro privilegiado que blindará Lula da Operação Lava Jato.

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Quem não sabe ser firme sem ser violento não está pronto para ajudar a refazer o Brasil

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Livre do contratempo, Dilma pôs-se a dar mais uma mostra de insensibilidade completa diante do caos em que ela jogou o Brasil. Não bastava insistir com a posse de Lula apesar de tudo o que houve na noite de quarta-feira – sem falar na manutenção de Aloízio Mercadante, que teria tentado comprar o silêncio do senador Delcídio do Amaral, segundo a delação premiada deste –; Dilma ainda tentou justificar a conversa que teve com Lula, sobre o envio do termo de posse; classificou a insatisfação com seu governo, demonstrada nos milhões das passeatas de domingo e nos milhares que voltaram às ruas na quarta, de “algaravia” que “não é a voz rouca das ruas” e “deve acabar”; denunciou uma suposta “conjuração que invade as prerrogativas constitucionais da Presidência da República”; atacou a divulgação das conversas de Lula, convenientemente omitindo seu gravíssimo conteúdo (com exceção da conversa sobre o termo de posse); e bravateou que “a gritaria dos golpistas” – sempre eles – “não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos”, esquecendo-se de que o povo já está de joelhos com a inflação e o desemprego causados pela política econômica petista.

Mas tanto a plateia gritou que não haveria golpe que, mal Dilma terminou seu discurso, o bordão se tornou realidade. O juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, do Distrito Federal, concedeu liminar suspendendo o ato de nomeação de Lula alegando o desvio de finalidade e a intenção, por parte do Poder Executivo, de interferir no funcionamento do Poder Judiciário, com a transferência do processo de Lula para o Supremo Tribunal Federal, o que Catta Preta classificou até mesmo como “indícios de cometimento de crime de responsabilidade” por parte de Dilma. À tarde, outra liminar foi concedida, no Rio de Janeiro, pela juíza Regina Coeli Formisano. A liminar de Catta Preta acabou derrubada pelo TRF1 na noite de quinta, mas a de Regina Coeli seguia em vigor até o fechamento desta edição; além disso, há inúmeras outras ações sendo propostas para impedir a nomeação e a posse de Lula.

Setores do Judiciário e os partidos de oposição que foram à Justiça estão cumprindo seu papel. A população também, ao manter a mobilização nas ruas, mas há muitos motivos para preocupação. Na Praça dos Três Poderes, militantes petistas e manifestantes pró-impeachment se enfrentaram durante a posse de Lula. Em Curitiba, houve pichações e ameaças de incêndio na sede do PT na madrugada de quinta-feira; a sede da CUT foi apedrejada e pichada. Repudiamos veementemente atitudes que abusam do direito à manifestação; esperamos a punição de quem incentiva e comete violência, e que cessem quaisquer hostilidades, especialmente nesta sexta-feira em que várias cidades terão atos de apoio ao governo, marcados já há vários dias. Ocupar as ruas e fazer barulho para demonstrar a revolta do povo contra a indicação de Lula ao ministério é direito democrático, mas agredir quem discorda é inaceitável. Quem não sabe ser firme sem ser violento não está pronto para ajudar a refazer o Brasil.